A cadeia de Pombal, cuja construção foi iniciada em 1841 e concluída em 1849, registrou sua primeira fuga em massa quatro anos após sua inauguração, precisamente em 24 de novembro de 1853. O fato chamou muito atenção e teve grande repercussão, tendo em vista ser ela considerada uma das mais seguras do império.
As paredes externas com 1 metro de largura e mais de 4,5 metros de altura; na parte frontal, um portão de grades em ferro maciço e quatro janelas reforçadas com grades duplas; na enxovia, cela escura que abrigava os presos de maior periculosidade, a altura de cerca de 3 metros, foi instalada uma espécie de forro em vigas de madeira de lei com cerca de 30 cm de espessura, o que dificultava ainda mais qualquer tentativa de fuga por via área. O carcereiro era responsável pelo controle, enquanto um destacamento, constituído por policiais da guarda nacional, sob o comando de um delegado, incumbia-se de manter a ordem e a vigilância, tanto interna como externa.
A arquitetura e a vigilância faziam da cadeia de Pombal uma fortaleza inexpugnável. Pelo menos era isso que se imaginava. Porém, na prática a teoria nem sempre funciona. Assim se pode constatar quando naquele 24 de novembro de 1853, à véspera da unidade prisional completar quatro anos de sua inauguração, aconteceu a primeira fuga em massa da até então inexpugnável fortaleza. A esse respeito, o jornal Diário de Pernambuco, edição de 24 de dezembro do mesmo ano, noticiou o fato de forma muito jocosa, sugerindo o óbvio: que os dez presos, constituídos de quatro homicidas, cinco recrutas e um desertor, só obtiveram êxito porque contaram com providencial ajuda de autoridades responsáveis pela segurança da cadeia.
Segundo o jornal, no dia da ocorrência o destacamento responsável pela segurança havia saído a fim de efetuar a transferência de um preso, sendo substituído por paisanos. Estranhamento, os presos conseguiram fugir sem despertar nenhuma atenção dos guardas, os quais são comparados aos “setes dormentes de Éfeso”, a lenda milenar dos sete jovens que caem em uma sonolência secular. O mais incrível foi que o preso que era conduzido pelo destacamento também conseguiu evadir-se, mesmo sob a vigilância da força policial.
Eis a integra da nota veiculada no jornal:
“Na noite de 24 de novembro último, os presos da cadeia de Pombal tiveram a fortuna de encontrarem os guardas tocados de uma vara mágica, e com a sonolência dos sete dormentes, e puderam a seu salvo pôr fogo em que parte da cadeia, subir pelo rombo ao telhado, descer por cordas ao corpo das guardas e porem-se a andar, ou porém a andar alguns cavalos, que casualmente encontraram com tanto tento e prudência, que o mais leve ferimento, nem ainda uma esfoladela, ou arranhão no passar do buraco.
Assim suave e naturalmente esgueiraram-se quatro criminosos de morte, um desertor e cinco recrutas.
Convém notar que a cadeia de Pombal, obra de prestante cidadão Bernardino José da Rocha, finda há quatro anos, é uma das mais sólidas e bem construídas cadeias do império; e que o rombo foi tal, que com a despesa de oito mil réis ficou reparado, e como se nada sofrera.
A guarda era de paisanos, porque o destacamento de polícia tinha ido conduzir um criminoso não sei para onde, o qual, também não se sabe como, saudou-se em caminho, ou fugido ou tomado pelos parentes, ou mesmo aderentes, o que não está verificado.
Parece que um jubileu foi concedido pela fatalidade aos presos de Pombal para passarem a festa no olho da rua, e acrescentarem as fieiras thuggaes, que iam rareando com as últimas prisões.”
Na edição de 16 de outubro de 1856, o Correio de Mercantil, do Rio de Janeiro, veiculou matéria noticiando uma frustrada tentativa de fuga da cadeia da vila de Pombal. Adiantava o matutino da capital imperial que não era aquela a primeira vez que bandidos tiveram seu intento frustrado. Registra que o carcereiro ficou em estado agonizando após ser barbaramente espancado, e tece elogios a atuação da guarnição frente a repressão aos amotinados. “Pela terceira, quarta ou quinta vez, os presos da cadeia da vila de Pombal, em número de setenta e três, tentaram evadir-se, esbordoaram cruelmente o carcereiro que ficou moribundo, e arrojaram-se ao portão para sair; encontraram porém a mais corajosa resistência da parte do alferes da guarda nacional Umbelino José de Almeida e de três soldados também da guarda nacional, que estavam também de guarnição, os quais sustentaram o primeiro ímpeto dos presos, e lucraram com eles ferindo a dois ou três, até que acudiram o delegado e mais cidadãos armados, repeliram os amotinados, e os obrigaram a recolher-se outra vez á enxovia sem ter escapado um só.”
Em 7 de outubro de 1857, o Diário de Pernambuco noticiou que aproximadamente às 16 horas, do dia 5 de abril daquele mesmo ano, dois guardas da cadeia de Pombal haviam rendido o carcereiro, quando este fazia a revista, dando fugas a 13 presos. “Os dois guardas fugiram com os presos. Houve luta, alguns tiros, mas nenhum morto ou ferimento”, concluía o jornal.
Em 1863, aconteceu o mais ousado ataque da história da cadeia de Pombal. Na ocasião, encontravam-se entre os presos os irmãos Andrelino de Araújo Lima e Antonio Thomaz da Fonseca, acusados de participação no assassinado do subdelegado de Piancó, Estanislau Lopes da Silva, crime ocorrido em 13 de novembro de 1852. Almejando a prescrição do crime, os irmãos, poucos meses antes, haviam se entregado em Misericórdia, atual Itaporanga, Paraíba, onde ficaram detidos. Ao tomar conhecimento, o chefe de polícia ordenou ao delegado de Misericórdia que transferisse com urgência os dois presos para a cadeia de Pombal, onde haveria maior segurança. Os irmãos ficaram bastante transtornados, achando que foram ludibriados.
Na madrugada do dia 5 junho, um grupo de bandoleiro, composto de mais de 30 cavalheiros, proveniente de Pajeú das Flores, província de Pernambuco, invadiram a vila de Pombal e tomaram de assalto a cadeia local. Após um acirrado tiroteio, um guarda que estava de sentinela foi atingido por um tiro fatal. Dois soltados e o alferes, comandante do destacamento, também foram atingidos por tiros certeiros, que os deixaram fora de combate. Em seguida, o grupo invadiu a cadeia e libertou onze presos, inclusive os dois irmãos, alvos principais da espetacular missão criminosa.
O mais conhecido ataque à cadeia de Pombal ocorreu em 1874. A história contada pela literatura vigente relata que na madrugada chuvosa de 19 de fevereiro, o cangaceiro Jesuíno Brilhante à frente de um grupo de cangaceiros, tomou-a de assalto, libertando 43 presos, inclusive seu irmão, que se encontrava aguardando julgamento por um crime de morte cometido na comarca de Catolé do Rocha.
Analisando esta versão de forma superficial, e certo afirmar que ela é verdadeira. O que foge da verdade é o modus operandi, a forma como deita operação nas narrativas dos escritores. As narrativas dos escritores Gustavo Barroso, em “Heróis e Bandidos”, e Rodolfo Teófilo, no romance “Os Brilhantes”, são recheadas de fantasias, buscando enaltecer a valentia e ousadia de Jesuíno Brilhante e seus asseclas, quando na verdade a operação foi um jogo de cartas marcadas.
O processo criminal que se encontra nos arquivos do Fórum Promotor Francisco Nelson da Nóbrega, da Comarca de Pombal/PB, é prova contundente de que os escritores pioneiros romancearam o episódio. Consta que tudo foi facilitado pelo delegado, alferes Eustáquio Toscano de Oliveira, e principalmente pelo comandante superior da guarda nacional, o coronel João Dantas de Oliveira, que também tinha interesse em libertar um preso, que havia sido condenado por ter praticado um crime por ele encomendado. Trata-se de uma longa história que devido a sua importância, toda a trama será contada com riqueza de detalhes em outra oportunidade.
Em fevereiro de 1890, registra-se a fuga de 34 presos, com denúncias de que houve conivência da guarda da cadeia. Por sugestão do Chefe de Polícia, João Coelho de Goncalves Lisboa, o governador Venâncio Neiva exonerou o delegado, o tenente-coronel Vicente José da Costa, nomeando para o seu lugar Francisco José de Assis, que recebeu a incumbência de abertura de um rigoroso inquérito policial a fim de apurar a efetiva participação dos denunciados.
O Governo do Estado providenciou um envio de uma força policial constituída de 30 praças, sob o comando de um oficial, tanto para garantir a segurança da cadeia como para efetuar diligências na busca dos fugitivos. Foram recapturados nove dos foragidos, em seguida foi preparado uma relação impressa dos 25 réus, com tiragem de 200 exemplares, os quais foram remetidos as div4ersas autoridade policiais do Estado, bem como aos chefes de polícias dos Estados circunvizinhos: Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará.
Em 3 de abril de 1917, o jornal O Norte, de João Pessoa – PB, noticiou que o tenente Sosthenes Barreto, delegado de Pombal, havia telegrafado ao presidente do Estado dando conta que, no primeiro do mês, quatro presos havia fugidos da cadeia usando uma chave falsa, levando algum armamento. O delegado diz ainda que já havia expedido diligências no encalço dos fugitivos e que os presos evadiram-se aproveitando o momento em que a sentinela havia ido ao aparelho sanitário. Um relato que mais parece um daqueles contos do 1° de abril.
Em fins de agosto de 1918, após um acirrado tiroteio, Eustáquio de Morais, subdelegado de Bonito, atual município de Bonito de Santa Fé/PB, então povoado de São José de Piranhas/PB, baleou e prendeu o famigerado cangaceiro Cícero Costa, um dos mais importantes líderes cangaceiros, com enorme lista de serviços prestados ao major Zé Inácio do Barro, de Milagres/CE, o mais destacado protetor de bandidos do cariri cearense.
A permanência de Cícero Costa na cadeia de Bonito trouxe um enorme clima de tensão ao lugar, principalmente devidos as informações que corriam dando conta de que um grupo de cangaceiros se organizavam em Milagres, no vizinho Estado do Ceara, com vistas a vir resgatá-lo da prisão. A vigilância da cadeia foi reforçada e logo que o preso estava em condições de viajar, em meados de setembro, foi conduzido para a cadeia da cidade de Patos, sob uma forte escolta comandada pelo experiente tenente Manoel Benicio.
Posteriormente, quando totalmente restabelecido, com igual esquema de segurança Cícero Costa foi conduzido para a cadeia de Pombal, o hipotético abrigo seguro para os fora-da-lei de maiores periculosidades. Porém, a estadia do bandido na cadeia não foi tão demorada como almejada pelas autoridades. No início de julho de 1920, o Jornal do Comércio veicula notícia dando conta que “Os cangaceiros Cícero Costa, José Coelho da Silva, Pedro Neco Fernandes e Melquíades Januário da Silva, que a muito custo haviam sido capturados e recolhidos a cadeia de Pombal, dali fugiram, auxiliados pelo soldado do destacamento policial Severino Alves de Oliveira”.
Esta foi a última grande fuga registrada na velha cadeia, que embora desativada na década de 1970, permaneceu elegantemente impávida, com sua imponente arquitetura imperial, a roubar a cena de tudo que representa a modernidade. Em 1989, passou a sediar a Casa da Cultura, um pequeno museu que ao longo de mais de três décadas infelizmente ainda não atingiu o seu verdadeiro objetivo, notadamente pela falta de uma gestão mais comprometida com a preservação de nossa memória.
José Tavares de Araújo Neto