Os representantes da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior ( Andifes ) criticaram nesta quarta-feira a falta de diálogo entre o ministério da Educação ( MEC ) e as universidades, na elaboração de uma série de propostas para modificar o financiamento das instituições de ensino superior público, divulgado na manhã de hoje. Especialistas analisaram a convite do GLOBO o que consideraram ser os pontos positivos e negativos da proposta.
Não houve participação ou consulta dos gestores e dos membros da comunidade universitária — afirmou o presidente da Andifes, Reinaldo Centoducatte.
Como só tiveram acesso ao teor do Future-se no primeiro encontro com representantes do MEC na terça-feira, os reitores afirmaram ser “prematuro” dar uma opinião definitiva sobre as mudanças. Para a Andifes o plano não prevê soluções para os problemas atuais no curto prazo, como, por exemplo, o contingenciamento de 30% das verbas discricionárias.
— Nós fomos chamados para discutir um projeto de financiamento, em um momento em que as universidades não têm garantias do seu funcionamento regular nos próximos meses. Várias universidades terão imensa dificuldade para dar continuidade ao ano letivo — disse o primeiro-vice-presidente da Andifes, João Carlos Salles.
Programa ‘Future-se’
Apresentado na manhã de hoje, o plano do MEC prevê novas formas de financiamento das universidades federais, aumentando a participação privada nos seus orçamentos. O projeto ficará em consulta pública por um mês e uma semana. Depois, um projeto de lei será enviado ao Congresso.
As instituições que optarem por participar do Future-se poderão celebrar contratos de gestão compartilhada do patrimônio imobiliário da universidade e da União; criar fundos patrimoniais, com doações, para financiar pesquisas ou investimentos de longo prazo; ceder “naming rights” de campi e edifícios; e criar ações de cultura que possam se inscrever em editais de fomento como a Lei Rouanet.
‘Future-se’ depende de alterações na legislação
Parte das propostas do programa Future-se dependem de mudanças na legislação. Na avaliação de Centoducatte, um dos casos mais evidentes é o da permissão para que as instituições de ensino superior usem organizações sociais (OS) para a gestão de contratos de serviços como vigilância, manutenção e limpeza.
— Hoje, nós estamos impedidos por lei de repassar um recurso público de uma universidade para uma OS.
— Você tem que licitar, você tem que fazer o registro de preço, você tem que fazer a tomada de preço e, dependendo do valor, você tem procedimentos de processos diferentes — explica.
De acordo com Centoducatte, que também é reitor da Universidade Federal do Espirito Santo (UFES), para que ocorra uma transferência financeira da universidade para a OS será necessário mudar a lei e o resultado, em sua avaliação, pode não ser positivo.
— Hoje você tem uma contratação de um serviço de limpeza por R$ 5 milhões, que tem uma determinada qualidade. Ai, o serviço da organização social é R$ 4 milhões, R$ 3 milhões. Certamente, há uma vantagem do ponto de vista financeiro. Mas se esse serviço não tiver a mesma qualidade? Você tem que fazer a comparação.
Ele afirma que não está claro como funcionará essa relação e, por isso, não consegue dar uma opinião ainda sobre a mudança.
Você vai ter que perceber como a OS vai funcionar, quais os custos que ela vai ter, que tipo de serviço ela vai prestar, qual a qualidade do serviço… Então, é algo que está ainda muito imaturo para a gente formar uma posição em relação a isso.
Mudanças não tão novas
O presidente da Andifes afirma que parte das propostas apresentadas no Future-se já acontecem em instituições brasileiras. Uma delas é a doação de empresas ou pessoas físicas às instituições. De acordo com ele, apesar de ser possível, as doações não acontecem, em parte, pela cultura do brasileiro
— A cultura do Brasil não é a cultura de outros países, que as pessoas, inclusive, doam parte das suas fortunas para as instituições que estudaram.
Além disso, ele afirma que as doações em dinheiro esbarraram no teto de gastos. Esse problema, no entanto, não ocorreria em doações não monetárias, como laboratórios e ferramentas. Outro ponto da proposta que não seria uma novidade, de acordo com Centoducatte, é a possibilidade das instituições fazerem comodatos.
— Você tem espaços para a cantina. Aquilo é um prédio da universidade. A universidade licita e existe uma remuneração de uso daquele espaço.
O que muda com o Futura-se, de acordo com ele, é a incorporação do patrimônio em um fundo imobiliário.
Pontos nebulosos
Apresentado aos reitores na terça-feira, parte do texto ainda não está claro para os gestores das universidades federais. Um desses pontos é o fundo de R$ 102,6 bilhões, do qual um fundo imobiliário de R$ 50 bilhões, doado pelo União, faz parte.
Centoducatte afirma que a Andifes ainda não sabe como funcionará a divisão desse fundo entre as instituições.
— Nós não sabemos como será a partição desses recursos. Será só por projeto? Então, cada um vai fazer um projeto, apresentar ao fundo, e o fundo vai analisar e decidir?
O reitor da UFES também afirma não saber para quais áreas o dinheiro estará disponível
— Esse fundo seria um fundo financiador. Financiador de quê? Nós ainda precisamos saber.
*Estagiário sob supervisão de Renata Mariz
Fonte: O Globo