Há pessoas cuja cultura é tão vasta que parece iluminar o ambiente inteiro; outras, cuja humanidade é tão grande que aquece qualquer sala. Raro é encontrar alguém que reúna as duas coisas — cultura e calor humano — com a naturalidade de quem respira. Atêncio Bezerra Wanderley era assim. E posso dizer, sem hesitar: foi o homem mais culto que conheci pessoalmente.
Dom Pedro II, o Imperador erudito, gostava de se refugiar nos livros para fugir às exigências da política. Atêncio, por sua vez, carregava o livro para dentro da vida — e ainda encontrava espaço para a medicina, a política, o magistério, as cavalgadas noturnas, as causas públicas e, sobretudo, um bom humor irresistível.
Sim, porque Atêncio tinha aquele humor fino, meio tímido, quase filosófico, que brotava nos momentos mais improváveis. Não era o riso aberto do sertanejo folgazão; era o sorriso de quem sabe muito, vê longe e se diverte com as surpresas discretas do mundo. Era capaz de, com uma frase, desmontar uma solenidade, aliviar um sofrimento ou simplesmente alegrar uma visita.
Penso nele — menino no sítio Arruda — correndo pelos garranchos, inventando cavalinhos de osso, atirando pedras em passarinhos e descobrindo a vida a cada banho de riacho. Quem diria que aquele garoto de roupa rasgada se tornaria o poliglota que lia latim no terraço de casa e desafiava visitantes com citações de De Bello Gallico?
Dom Pedro II aprendia sânscrito para conversar com intelectuais europeus; Atêncio sabia francês, inglês, alemão e latim, mas usava tudo isso para conversar com o povo da sua terra — sempre com humor, sempre com leveza — e para ensinar seus alunos com aquela generosidade de mestre que nunca se julga maior que ninguém.
E como serviu! Enquanto o Imperador cruzava oceanos e despachava telegramas, Atêncio cruzava veredas, riachos, serras e noites de temporal. No lugar de carruagens, um fusca valente, um jipe barulhento ou um cavalo teimoso. No lugar de joias, sua maleta de médico.
E, como Pedro II, ele também tinha essa coisa de começar tudo pelo exemplo:
— “Quanto ganhou no parto, doutor?”
— “O homem só disse ‘Deus te pague!’.”
E ele contava isso com um sorriso — aquele sorriso estreito, contido, mas cheio de graça — como quem dissesse: “pagamento melhor não há”.
Era assim: humilde, brilhante, espirituoso. Um sábio que ria das próprias virtudes.
Quando prefeito, trouxe a televisão a Pombal com a obstinação meio doida dos visionários — ao lado do igualmente meio doido (e genial) pastor Jônathas. E se irritava, mas ria depois, quando o equipamento parecia não funcionar. Afinal, humor também é coragem.
Quando professor, ensinava Física e Química com a paciência dos monarcas que não precisam provar nada. E quando recebia alguém em casa, fazia da cultura um jogo, um pequeno rito de iniciação:
— “Só entra se me disser de que livro é esta frase…”
E lia, pausadamente:
— “Gallia est omnis divisa in partes tres.”
Era sério, mas divertido. Era exigente, mas afetuoso. Era enciclopédico, mas simples. Como Dom Pedro II, tinha um trono: o trono da inteligência. Mas como Atêncio, tinha uma coroa invisível: a da bondade.
E tinha Cacilda, sua rainha — como ele mesmo dizia, “razão da vida”. Só alguém muito inteligente sabe amar assim, com tanta clareza e gratidão.
Se Dom Pedro II terminou seus dias no exílio, cercado de livros, Atêncio terminou cercado de respeito, de memória e de uma cidade inteira que se reconhece em seus atos. Morreu longe, em São Paulo, mas voltou para Pombal, onde sempre pertenceu. Sua história ficou plantada aqui, onde a cultura encontra raízes no chão, e o conhecimento não é ornamento, mas serviço.
Ele foi médico dos pobres, educador dos jovens, gestor público exemplar, humanista nato. Foi o homem que levou a ciência para as serras, a política para o bem comum e a cultura para o terraço de casa.
E foi, repito, o homem mais culto que conheci pessoalmente — e talvez o mais generoso.
Como Dom Pedro II, ele acreditava que a verdadeira realeza é a do saber.
Como poucos, ele provou que a verdadeira grandeza é a do servir.
E como nenhum outro, fez tudo isso com aquele humor sereno que só têm os gigantes que não precisam parecer grandes.
José Tavares de Araújo Neto
