A candidatura do Major Manuel Arruda de Assis para prefeito de Pombal em 1947 não foi iniciativa própria, mas sim resultado de uma articulação política liderada por Janduhy Carneiro, então no seu primeiro mandato de deputado federal. Arruda não tinha interesse em entrar na política partidária e, inicialmente, resistiu aos apelos.
Janduhy Carneiro insistiu para que Arruda voltasse a Pombal com o objetivo de harmonizar os grupos políticos locais e reorganizar a base de apoio familiar, que estava fragmentada. Arruda, que na época era delegado em Guarabira, relutou, mas acabou cedendo após pressão dos seus primos Queiroga de Assis (os Cabeçudos), filhos do seu tio, o ex-prefeito Francisco Dantas de Assis (Chiquinho Cabeçudo), aliados do deputado estadual Dr. José Queiroga.
Sua candidatura foi viabilizada por uma coligação entre o PSD (de Janduhy Carneiro) e a UDN (liderada localmente por José Queiroga).
“Eu nunca fui político. Entrei na política por insistência de Janduhy Carneiro. Naquele tempo eu era Delegado em Guarabira, quando ele mandou me buscar para João Pessoa. Fomos jantar no Cassino e ficamos conversando até de madrugada. Janduhy insistia para que eu viesse a Pombal, com a ideia de congregar a família, que vivia em desordem, e tomar conta da política.
De início, não quis atender. Mas depois ele mesmo veio aqui e ainda mandou meus parentes, meus cunhados e primos de quem eu gostava muito — aqueles “cabeçudos”, como o Zeca e o Osório. Foram até Guarabira, me trouxeram à força de amizade, e acabaram me metendo na política. Fiz de tudo para não aceitar o cargo de prefeito, foi uma luta tremenda…
A campanha eleitoral do major Manuel Arruda coincidiu com a chegada de Rosil Cavalcanti, o jovem que, alguns anos depois, em 1953, despontaria nacionalmente como grande compositor ao lado de Jackson do Pandeiro, com o retumbante sucesso da música Sebastiana.
Rosil Cavalcanti chegou a Pombal em 9 de setembro de 1947 para trabalhar na empresa Brasil Oiticica, uma indústria de beneficiamento de polpa de oiticica. Na cidade, tinha como única referência o empresário Ermínio Monteiro, que já conhecia de Campina Grande.
Embora recém-chegado, Rosil acompanhou de perto o processo eleitoral, simpatizando com a candidatura do major Manuel Arruda, do PSD, aliado de seu amigo Ermínio Monteiro. Do outro lado estava o candidato da UDN, Sá Cavalcante, a quem Rosil descreveu como um “cabra feio, cachaceiro, gastador da gaita da Prefeitura”. Nesse contexto, Rosil chegou a compor uma paródia da música O Meu Pé de Serra, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
Arruda obteve uma vitória expressiva, derrotando Sá Cavalcante por uma margem de cerca de 800 votos. Essa vitória marcou o início de sua trajetória política eletiva, que incluiria depois dois mandatos como deputado estadual (1951–1955 e 1955–1959), sempre à revelia de sua vocação militar – como ele mesmo afirmou: entrou na política “como um bode dentro d’água”.
Assim, em 1948, Manuel Arruda de Assis assume a chefia do Executivo pombalense, cargo anteriormente ocupado por seu avô, o Capitão João Batista de Arruda, em 1888, e por seu pai, João Dantas de Assis, em 1899.
A eleição do major Manuel Arruda de Assis como prefeito de Pombal (PB) – com ampla margem de votos e respaldado por uma coligação entre PSD e UDN – deveria ter inaugurado um período de estabilidade administrativa. No entanto, os primeiros meses de sua gestão foram marcados por graves tensões políticas, conflitos de autoridade e um ambiente de intimidação patrocinado, segundo denúncias do próprio prefeito, por setores das forças policiais locais alinhados aos seus opositores.
Arruda, militar de carreira e homem de reputação ilibada – como destacou o deputado federal Janduhy Carneiro em discurso na Câmara –, logo se viu impedido de governar. Em janeiro de 1948, ele tomou uma medida drástica: fechou as portas da Prefeitura e enviou um telegrama ao Ministro da Justiça, denunciando o “clima de terror policial” que assolava o município.
Os relatos são alarmantes: funcionários municipais foram agredidos em plena feira pública, o vice-prefeito foi intimidado em Malta (distrito de Pombal), e o fiscal municipal foi publicamente desacatado por um soldado de “péssimos antecedentes”. Arruda acusava o suplente de delegado – claramente aliado de seus adversários políticos – de comandar uma verdadeira campanha de desmoralização contra sua administração.
“Cumpre salientar que todos esses fatos foram levados ao conhecimento do governador sem que essa autoridade se tenha dignado tomar qualquer providência. Deste modo, como medida acauteladora, resolvi fechar nesta data as portas da Prefeitura, até que este município volte a um clima de respeito e liberdade públicas e a garantia de livre exercício da autoridade administrativa.”
O cerne do problema era a politização da força policial, que agia não como garantidora da ordem, mas como instrumento de pressão e perseguição contra a gestão municipal eleita. O prefeito afirmava que o governador do estado, Osvaldo Trigueiro (UDN), havia sido informado, mas não tomara providências. A ausência do juiz e do promotor – em “comissão judiciária” – agravava ainda mais o vácuo de autoridade legal
A situação em Pombal não era isolada. O deputado José Joffily leu na tribuna da Câmara um telegrama similar vindo de Piancó, onde a polícia estadual também era acusada de assassinatos, torturas e arbitrariedades, com total omissão do governo estadual.
A atitude de Arruda – fechar a prefeitura e apelar diretamente ao Ministério da Justiça – foi um ato de desespero e também de coragem política. Era um protesto contra a violação da autonomia municipal e a instrumentalização partidária da segurança pública. Seu gesto ecoou nacionalmente, graças à intervenção de Janduhy Carneiro no Congresso, colocando o governo paraibano sob escrutino federal.
O episódio revela as profundas rachas políticas no interior da Paraíba no período pós-Estado Novo, onde vitórias eleitorais não se traduziam necessariamente em capacidade de governar. A polícia, muitas vezes controlada por grupos políticos estaduais adversários, tornava-se um obstáculo à administração municipal, especialmente quando o prefeito não era aliado do governador
A crise em Pombal ilustra como a democracia brasileira ainda era frágil no nível local, onde coronelismos renovados e disputas partidárias podiam paralisar uma cidade inteira. A figura de Arruda – o militar “probo e digno” que preferiu fechar as portas do que compactuar com a ilegalidade – tornou-se símbolo da resistência contra a politicagem e o abuso de poder
A publicidade nacional do caso forçou o governo da Paraíba a negociar uma solução. O episódio permanece como um registro histórico eloquente dos desafios da gestão municipal num período de intensa polarização e da luta pela efetiva autonomia dos municípios brasileiros.
JOSÉ TAVARES DE ARAÚJO NETO