Chamávamos nossa avó de mãe Loúrdes — assim mesmo, com a sílaba firme no meio, do jeito que todos os netos pronunciavam, porque avó era parentesco, mas mãe era o título de afeto que ela conquistou. Não havia um só neto — de sangue ou de merecimento — que ousasse chamá-la de outro jeito.
Mãe Loúrdes não era apenas uma exímia contadora de histórias.
Era também feiticeira de forno e fogão.
Quando ela tirava da despensa o saco de goma, o cheiro de infância já começava a nascer. Fazia sequilhos que pareciam saídos de um livro de encantamento: estrelinhas, cavalinhos, corações tortos que mais pareciam mapa do tesouro. Nós, netos, rodeávamos a velha mesa de madeira, ansiosos pelo momento em que ela abria a tampa do forno e, com aquele sorriso travesso, dizia:
— Quem souber esperar, come os maiores.
E ali estava mais uma lição disfarçada de quitute:
a paciência sempre recompensa.
Os sequilhos eram crocantes por fora e macios por dentro.
Como ela.
E entre uma fornada e outra, vinham as histórias. Histórias da família, de assombração, de coragem, de gente que enganou a morte, de rezadeiras que falavam com o vento. Ela não contava: bordava. Costurava palavras com silêncio e suspense, e nós ficávamos presos ao fio invisível daquela narrativa.
Com ela aprendi que o mundo não cabe apenas no que vemos.
Existe o tempo do vento, o tempo da chuva, e — principalmente — o tempo de sentir.
Se eu me mostrava impaciente, ela dizia:
— Calma, menino. Quem corre demais passa pela vida sem enxergar.
Se eu reclamava do que me faltava, ela contava de quando tinha menos ainda e, mesmo assim, sobrava riso.
Se eu me achava grande demais, vinha a lição certeira:
— Quem não guarda uma história dentro de si, acaba perdendo o rumo.
Hoje percebo: mãe Loúrdes não apenas contava histórias.
Ela me ensinou a contar as minhas.
Me deu o encanto das palavras, a coragem de registrar emoções, o olhar que sabe encontrar poesia no que parece pequeno — como um cavalo de goma quebrando entre os dedos.
De tudo o que aprendi com minha avó, guardo uma certeza:
A vida é feita do que a gente lembra com amor — e do que escolhe perpetuar.
E sempre que o cheiro de goma assa no forno da memória, sinto como se ela abrisse a porta da cozinha novamente e dissesse:
— Sente aqui. A história ainda não acabou.
Porque dentro de mim,
mãe Loúrdes continua contando.
José Tavares de Araújo Neto
