
Há nomes que não caminham sozinhos. Alguns vêm ao mundo destinados a carregar cidades inteiras no bolso da camisa, como quem leva um amuleto ou um retrato da infância. Assim é Leandro Gomes de Barros. Basta alguém pronunciar Leandro que sempre aparece, de algum canto do Brasil, a lembrança imediata: “é de Pombal”.
E é curioso como essa cidade parece ter sido moldada, em parte, pelas rimas do seu poeta maior — e como as rimas dele parecem trazer, vez ou outra, o cheiro quente da terra batida e o brilho antigo do sol que cai sobre as manhãs de Pombal.
Mas essa ligação profunda não foi descoberta dos estudiosos, nem homenagem póstuma. Foi o próprio Leandro quem amarrou seu nome à sua terra, escrevendo nos folhetos, com orgulho incontestável o lugar de onde vinha: “Pombal, Paraíba”. Cada cordel que saía de suas mãos levava junto essa marca, como quem crava no papel uma fidelidade. Ele amava sua cidade e fazia questão de anunciá-la onde quer que fosse lido. Assim, Pombal ficou inscrita não só no mapa, mas também na memória poética do Brasil.
Recordo um episódio que sempre me volta com nitidez. Estava num evento cultural no povoado de Entre Montes, em Piranhas, Alagoas, quando o veterano folheteiro baiano Jurivaldo Alves viu meu crachá. Leu pausadamente, abriu um sorriso largo e, para minha surpresa, pediu, depois de um abraço, para tirar uma fotografia ao meu lado — não por mim, mas pelo que eu representava.
“Você é o primeiro conterrâneo de Leandro que conheço”, disse ele com emoção. Ali percebi que, naquele instante, eu carregava não apenas meu nome, mas também o nome de Pombal, terra do homem que Jurivaldo considerava seu ídolo maior.
Mais tarde, em Princesa, no sertão da Paraíba, vivi outra dessas cenas que só o universo do cordel proporciona. Conheci o jovem cordelista Kauã Silva, de Tabira, Pernambuco. Ele me contou que conheceu Pombal como prêmio escolar por vencer um concurso de cordel — justamente porque quem vencesses iria pisar no solo sagrado onde nascera o Pai do Cordel brasileiro.
Veja que força tem um poeta quando faz sua terra virar destino literário.
Leandro escreveu como quem respira: rápido, fecundo, indispensável. Seus cordéis percorreram os sertões, conquistaram o Brasil, atravessaram fronteiras e até continentes, como se cada folheto fosse um pássaro levando consigo a música do Nordeste.
Seus versos encontraram mãos, feiras, varais, mochilas e memórias — e nunca mais pararam de caminhar. Inspiraram mestres como Ariano Suassuna e fizeram com que até Carlos Drummond de Andrade o saudasse como “o rei da poesia do sertão”.
Se o Brasil celebra, em 19 de novembro, o Dia do Cordelista, é porque em 19 de novembro de 1865, em Pombal, nascia não apenas um escritor — mas uma fundação, um marco, um começo. O Pai do Cordel.
E é por isso que Pombal, tão orgulhosa do filho que deu ao mundo, precisa agora transformar esse orgulho em gesto concreto. Lembrança é coisa bonita, mas vento leva.
Por isso deixo aqui um chamado, firme e afetuoso:
que o poder público erga, enfim, a estátua de Leandro Gomes de Barros em Pombal — um monumento à altura de quem transformou papel em eternidade e fez da própria cidade uma bandeira literária.
Não por vaidade.
Não por turismo.
Mas para que a ligação entre o poeta e sua terra se torne presença sólida, de bronze, olhando o horizonte do qual um dia partiu para iluminar o Brasil.
Porque, no fundo, não é só Pombal que precisa de Leandro.
É Leandro que precisa continuar nascendo, todos os dias, em Pombal.
José Tavares de Araújo Neto
