Na primeira metade da década de 1970, uma das festas sociais mais concorridas de Pombal eram o Carnaval, a Festa do Rosário e a Semana Universitária. O tradicional réveillon era a festa inaugural para uma série de “gritos de carnaval” espécies de “esquentas” para a grande festa momesco realizada no mês de fevereiro. Havia o Primeiro, o segundo, o terceiro grito, sempre nos sábados. Uma prévia do que iria acontecer, e os primeiros encontros dos velhos blocos carnavalescos, mas geralmente com alguns estreantes.
Naquele sábado de janeiro iria haver um deste gritos de carnaval. Uma mesa do bar centenário era ocupada pelos ainda adolescentes José Tavares de Araujo Neto (Boquinha), Cândido José de Assis Filho (Cândido Filho) Wertevan Fernandes (Werto) e José Gilson Silva Alves (Bilu) já convictos de que não iriam participar do “grito” pois não dispunham de dinheiro para adquirir o ingresso. De repente chegou à mesa um amigo comum portando uma senha que acabava de adquirir na bilheteria do Pombal Ideal Club.
Sem alarde, um dos amigos sugeriu que aquele ingresso era muito fácil de ser copiada por outro amigo que não se encontrava no momento: Vécio Pinheiro, reconhecido como o melhor desenhista do Colégio Estadual de Pombal, onde estudavam.
Os quatros amigos se cotizaram, adquiriram a senha e se dirigiram à residência de Vécio, onde todos já haviam se recolhido ao reino de Morfeu. Após ser acordado por discretas batidas à porta do seu quarto, Vécio concordou em fazer cópias das senhas, utilizando, para tanto, canetas de pontas porosas, únicos materiais disponíveis para imitação da impressão das senhas originais, que foram reproduzidas em uma gráfica.
Vécio gostou tanto da ideia, que também decidiu ir à festa. “Então, já que vai fazer cinco senhas, faça outras de sobra para que gente possa apurar o dinheiro da bebida”, sugeriu um deles.
Feito a venda das senhas excedentes, o grupo adentrou no sodalício sem despertar nenhuma suspeita. As senhas desenhadas por Vécio, de tão perfeitas, ficaram praticamente iguais às verdadeiras, tanto que, displicentemente, Bilu vendeu a única original que havia servido de modelo. Bilu era o mais cara-de-pau da turma, o mais corajoso. Tudo que levava perigo, ele tomava a frente. Foi o responsável pelas vendas das senhas, como também foi o primeiro a a adentrar no clube, seguido pelos demais.
A mesa do grupo de estudantes era uma das mais animadas, com muito fartura, cervejas, Rum Montilla, Coca-cola e gelos à vontade. E para ostentar, no centro havia até um litro de Campari, a bebida da moda. Longe de parecer aqueles que há pouco mais de uma hora atrás bebiam uma meiota de cachaça Pitu com tira-gosto de seriguela.
Era muito comum as pessoas darem uma saidinha, seja para lanchar, tomar um ar mais puro ou um outra desculpa qualquer para ficar mais à vontade com uma namorada eventual. Neste entra-e-sai, as senhas recebidas eram reutilizadas para afiançar o retorno dos beneficiários. Aquela noite festiva foi marcada por uma intermitente chuva, prenúncio de um alvissareiro ano de “bom inverno”.
Após uma dessas saidinhas, Cândido Filho, que havia ido comer um cachorro quente no barraco de Lafaiete, retornou à mesa com a notícia de que estava havendo um grande tumulto na porta do clube e que, pelo que ele pôde deduzir, esta confusão tinha algo a ver com as senhas falsificadas. O grupo se dirigiu até o portão para conferir o que de fato estava acontecendo, deparando-se com uma confusão generalizada, envolvendo membros da diretoria do clube e foliões que tentavam retornar a festa, que lembrava a cena descrita na canção “Pistom de gafieira”, na época grande sucesso em regravação do cantor Milton Carlos: “A porta fecha enquanto dura o vai-não-vai, quem está fora não entra, quem está dentro não sai”.
A confusão se deu por conta do desbotamento das senhas desenhadas por Vécio, propiciada pela alta umidade do ar daquela noite chuvosa. Pessoas que haviam recebido senhas falsas na saída eram impedidas de retornar ao interior do clube.
À medida que o tempo ia passando mais pessoas apareciam com senhas borradas, o que fazia aumentar a aglomeração e intensificar ainda mais o tumulto. Irredutíveis, os porteiros as acusavam de falsificadores, e estas reputavam a injusta imputação com indignação, sob a solidariedade dos colegas de festa. Mais constrangedor e revoltante quando a acusação recaía sob uma das metades de um casal de namorados.
Nem o som da orquestra foi capaz de abafar a gritaria dos envolvidos, que aos berros trocavam acusações e insultos, não vindo as vias de fatos graças à intervenção do agente fiscal Carlos Alberto de Oliveira (Carrinho de dr. Lourival), diretor-presidente do clube.
A fim de conter a fúria dos revoltados foliões, na iminência de investirem conta a integridade física dos responsáveis pela portaria, Carrinho sacou um revólver, exigindo que todos se afastassem, no que foi prontamente atendido.
Só após a providencial intervenção de Carrinho os ânimos foram desarmados e foi possível abrir um canal de diálogo para um acordo. Representantes dos dois lados reuniram-se na sala da bilheteria, voltando em seguida com um acordo: A partir daquele momento não seria mais exigido senhas. Os portões do Pombal Ideal Club foram abertos para todos que quisessem participar da festa.
JOSÉ TAVARES DE ARAÚJO NETO