Embora nos dias de hoje seja pouco conhecido do grande público, Cícero Costa foi um dos mais célebres facínoras da história do cangaço. Apesar de comandar seu próprio bamdo, sua história se confunde com a de Luiz Padre e Sinhô Pereira, com quem participou de memoráveis eventos criminosos, a grande maioria à serviço do major Zé Inácio, proprietário da Fazenda Barro, localizada no município de Milagres, no cariri cearense.
Natural de Conceição, município paraibano localizado no Vale do Piancó, Cícero Costa de Lacerda se destacava pelo seu notável conhecimento a respeito doi poder medicinal da flora sertaneja. Era habilidoso no atendimento primeiros socorros, bem como no preparo de chás e meizinhas, diversidade de xaropes naturais, chamados de “lambedor”, elaborados a partir de misturas de mel de abelha, folhas, cascas e raízes de plantas da caatinga, destinados à cura dos mais diversos males. Não por acaso, Cícero Costa entrou para história como “o médico dos cangaceiros”.
Atendendo chamando de Luiz Padre e Sinhô Pereira, em abril de 1919, participou da defesa do povoado São Francisco, reduto da família Pereira do Pajeú, que há muito se encontrava em guerra com a família Carvalho. Naquela ocasião, o capitão da força pernambucana Holanda Cavalcante, aliado dos Carvalhos, decidiu ocupar aquele florescente povoado de Vila Bela, atual Serra Talhada/PE, sob o pretexto de que era um valhacouto de bandidos que praticavam os mais variados tipos de crimes na região.
Na entrada do povoado, a coluna do capitão Holanda Cavalcante, constituída por cerca de 72 policiais, foi surpreendida por uma bem arquitetada emboscada, que resultou em uma das mais humilhantes derrotas da Polícia Militar do Estado de Pernambuco. A força pernambucana teve uma baixa de nove soldados mortos e três saíram gravemente feridos, sem contar com o enorme prejuízo material, acarretado pelo extravio de armas e munições, deixadas pelos assustados praças que fugiram em desorientada disparada caatinga adentro. Neste combate também participaram os pombalenses Ulisses Liberato de Alencar e seu fiel amigo Barnabé Ferreira de Oliveira, o primeiro comandado o reforço enviado pelo major Zé Inácio do Barro.
Em fins de agosto de 1918, após um cerrado tiroteio, Eustáquio de Morais, subdelegado de Bonito, atual município de Bonito de Santa Fé/PB, então povoado de São José de Piranhas/PB, baleou e prendeu o famigerado cangaceiro Cícero Costa. A sua permanência na cadeia de Bonito trouxe um enorme clima de tensão ao lugar, principalmente devidos as informações que corriam dando conta de que um grupo de cangaceiros se organizavam em Milagres, no vizinho Estado do Ceará, com vistas a vir resgatá-lo da prisão. A vigilância da cadeia foi reforçada e logo que o preso estava em condições de viajar, em meados de setembro, foi conduzido para a cadeia da cidade de Patos, sob uma forte escolta comandada pelo experiente tenente Manoel Benício.
Posteriormente, quando totalmente restabelecido, com igual esquema de segurança Cícero Costa foi conduzido para a cadeia de Pombal, o abrigo seguro para os fora-da-lei de maiores periculosidades. Porém, a estadia do bandido na cadeia não foi tão demorada como almejada pelas autoridades. No início de julho de 1920, o Jornal do Comércio veicula notícia dando conta que “Os cangaceiros Cícero Costa, José Coelho da Silva, Pedro Neco Fernandes e Melquíades Januário da Silva, que a muito custo haviam sido capturados e recolhidos a cadeia de Pombal, dali fugiram, auxiliados pelo soldado do destacamento policial Severino Alves de Oliveira”.
O soldado Severino Alves de Oliveira, que facilitou a fuga dos perigosos bandidos, aderiu às hostes cangaceiras, integrando o bando de Cícero Costa, ode foi batizado pelo cognome de “Fortaleza”. Em correspondência datada de 6 de outubro de 1921, publicada no jornal “O Norte”, de 8 de outubro, o tenente Manoel Cardoso, então delegado de Conceição, Estado da Paraíba, comunicou ao Chefe de Polícia do Estado que se encontrava preso na cadeia daquela cidade o cangaceiro Severino, vulgo Fortaleza, ex-praça que deu fuga ao célebre criminoso Cícero Costa quando preso na cadeia de Pombal. Adiantava o delegado, que o referido havia sido preso em uma diligência comandada pelo sargento Horácio.
Cícero Costa deixou registrada em sua extensa ficha criminal alguns fatos que mancharam de forma indelével a história do nordeste brasileiro. Dentre os quais, podemos destacar as seguintes façanhas de abominosas recordações: 1. Assalto à Fazenda Nazaré de Dona Praxedes (20/01/1919), viúva do coronel Domingos Furtado, um dos mais rentáveis financeiramente da história cangaceira; 2. trucidamento do valente João Flandeiro (12/01/1922), um humilde sertanejo que ousou contrariar os arroubos arrogantes do poderoso major Zé Inácio do Barro; 3. o “Fogo de Coité” (20/01/1922), episódio em que o Padre Lacerda heroicamente sustentou fogo contra o ataque de um bando integrado pelos mais afamados bandoleiros que estavam sob o auspicio do major Zé do Barro; 4. ataque ao então povoado de Jericó (24/01/1922), seguido do assalto a Fazenda Dois Riachos do Coronel Valdivino Lobo, além a outros fazendeiros da região de Catolé do Rocha (26/01/1922; 5. assalto à baronesa de Água Branca (23/06/1922), considerado o primeiro evento em que Lampião chefiou um bando. Realizado com objetivo de arrecadar recursos para cobrir despesas da viagem de Sinhô Pereira, foi por conta do sucesso desta missão que Lampião ganhou sua admiração e recebeu a chefia do bando em definitivo dois meses depois, quando o vingador do Pajeú partiu para o Estado de Goiás.
A partir da segunda metade de 1922, quando Luiz Padre, Sinhô Pereira major Zé Inácio já haviam deixado o Nordeste, Cicero Costa permaneceu mantendo a parceria criminosa com o antigo bando dos vingadores do Pajeú, agora comandado pelo jovem Virgulino Ferreira, alcunhado de Lampião. Consta neste período, o memorável ataque a cidade de Belmonte que redundou o bárbaro assassinato do Coronel Luiz Gonzaga Gomes Ferraz, em sua própria residência, fato ocorrido na madrugada do dia 20 de outubro de 1922. Neste mesmo episódio também foi a óbito o soldado Heleno, que fazia a defesa, e, do lado dos atacantes, morreram Antonio Cachoeira e José Dedé, o cangaceiro Baliza, reconhecido como um dos estupradores no ataque ao povoado de Jericó, no município de Catolé do Rocha. Cícero Costa saiu ferido, juntamente com os companheiros Zé Bizarria e Ioiô Maroto, membro da família Pereira, um dos comandantes da horda criminosa.
A carreira criminosa de Cícero Costa findou-se no início de 1924, ocasião em que ele foi prestar socorro paramédico ao seu amigo Lampião que estava gravemente ferido na Serra do Catolé, município de Belmonte, Estado de Pernambuco. O bando de malfeitores foi atacado pela força paraibana, comandada pelo tenente Cícero Oliveira e o sargento José Guedes, volante que também contava com o ex-cangaceiro Clementino Quelé e o soldado João da Mancha, este último tido como o sangrador oficial da polícia paraibana. Após intenso troca de tiros, os cangaceiros Cícero Costa e Lavandeira foram gravemente alvejados, capturados e depois sangrados, sob os olhares dos seus comparsas Levino, Meia Noite e outros, que impotentemente assistiam a cena macabra por entre as folhagens da mata cerrada.
José Tavares de Araújo Neto