José Ferreira de Queiroga, médico, formada pela escola de medicina do Rio de janeiro, fazendeiro e político, era o segundo jota da famigerada “Chapa dos três jotas”, idealizada pelo então presidente do Estado João Suassuna para sua própria sucessão, mas que foi refutada pelo líder maior do Estado, o ex-presidente Epitácio Pessoa. A frustrada chapa dos sonhos de João Suassuna era composta por Júlio Lira, como presidente, tendo José Queiroga e José Pereira como primeiro e segundo vice-presidente, respectivamente.
Dr. Queiroga, como era mais conhecido em sua terra natal, era filho do potentado coronel Benedito Ferreira Queiroga, proprietário de várias fazendas no município de Pombal, amigo e coiteiro do célebre cangaceiro Antonio Silvino. Foi Dr. Queiroga um dos longevos chefes políticos de Pombal. Faleceu em 23 de setembro de 1953, em pleno exercício do cargo de prefeito de sua cidade, que hoje o homenageia dando seu nome a uma de suas principais praças, a Praça José Ferreira de Queiroga, popularmente conhecida por “Praça do Centenário”.
Em 1915, a Paraíba passava por uma fase de extrema efervescência política, em face do rompimento de Epitácio Pessoa com o monsenhor Walfredo Leal, o todo poderoso chefe político do Estado, tio de José Americo de Almeida. A divergência entre os dois líderes proporcionou uma intensa campanha, protagonizada pelos “Bacuraus”, epíteto jocoso dado aos seguidores de Walfredo Leal; e os “Condores”, autodenominação dos adeptos do emergente líder Epitácio Pessoa. Em Pombal, o coronel João Ferreira Leite Primo, que tinha o comando absoluto da política local desde o início da República, permaneceu fiel ao seu velho líder monsenhor Walfredo Leal, enquanto que o médico Dr. José Queiroga emprestou seu apoio a Epitácio Pessoa, de quem já era um histórico simpatizante.
Foi esta emblemática campanha de 1915 que propiciou a aproximação entre o Dr. José Queiroga e o coronel José Pereira, já chefe político de Princesa, o maior alavancador do epitacismo no sertão paraibano. Com a vitória dos Epitacistas, o poder oligárquico de Pombal passa a ser comandada pelo Dr. José Queiroga, que após conquistar uma cadeira na Assembleia Legislativa, é nomeado Chefe Político do Município, em substituição ao coronel João Leite.
Na gestão do presidente Camilo de Holanda, que governou a Paraíba no período 1916/1920, os então deputados José Queiroga e José Pereira integraram o grupo denominado “Jovens Turcos”, liderado por Solon de Lucena, que em nome da renovação manteve uma acirrada disputa interna com a velha guarda epitacista, apelidada de “Goelas”.
Em janeiro de 1924, após o subprefeito de Pombal Luiz Gonçalves Granja Coimbra, conhecido por Tarugo, assassinar o delegado tenente Manoel Cardoso, dr. José Queiroga o encaminha à Princesa, onde fica homiziado sob o auspício do seu leal amigo José Pereira. Em meados da década de 1930, quando o coronel José Pereira ainda se encontrava foragido, com o objetivo de ofertar escolas aos filhos, sua esposa, junto com as duas crianças, foram residir em Recife, ficando hóspedes de Tarugo, agora um bem sucedido empresário na capital pernambucana.
Em 1926, quando da incursão da Coluna Prestes pela Paraíba, o presidente do Estado João Suassuna incumbiu ao dr. José Queiroga e o coronel José Pereira a responsabilidade de fazer a defesa de uma vasta área do sertão. O plano traçado pelos dois chefes políticos consistia basicamente em ações de ataques surpresas, denominados emboscadas, uma tática comprovadamente eficiente muito utilizada pelos cangaceiros e volantes em seus embates nos sertões nordestinos.
Ao penetrar no município de Pombal, os revoltosos invadiram a fazenda, sequestrando e mantendo refém o seu proprietário, Manoel Queiroga (major Nô Queiroga), irmão de dr. José Queiroga. Para preservar a vida do irmão do chefe político de Pombal, os dois deputados determinaram que as diversas frentes cancelassem as emboscadas programadas. A volante do tenente José Guedes, que vinha de Princesa Isabel em caminhada, não foi avisada da decisão de não mais efetuarem as emboscadas. Assim, nas proximidades de Boqueirão de Coremas, ocorreu um confronto entre sua volante e a vanguarda da Coluna. Enquanto isso, no território do município de Pombal, a Coluna comandada por João Alberto surpreendeu o tenente Manoel Benício, que transportava armas e munições de Patos para guarnecer a defesa de Pombal. Os revoltosos prenderam o oficial da polícia paraibana, tomaram 40 fuzis e 3.600 cartuchos e incendiaram o caminhão.
Havia, portanto, entre os chefes políticos de Pombal e Princesa um histórico vínculo de amizade, confiança e respeito. Tinham muitos valores e qualidades em comum: gostavam da agricultura e pecuária; eram cultos, sinceros e honravam a palavra dada; presavam pelo respeito, amizade e lealdade; prestativos, não eram de deixar o amigo na mão, estavam prontos a ajudá-lo na precisão. Apesar de acusados de darem proteção à criminosos, não há registro de que tenham se beneficiados pelas práticas de crimes desses supostos protegidos, como, por exemplo, mandarem roubar ou assassinar inimigos.
Em fins de fevereiro de 1930, logo que declarado o rompimento do coronel José Pereira com o governo do presidente João Pessoa, que culminou com a sedição, historicamente denominada “Revolta de Princesa”, José Queiroga foi um dos primeiros a ser avisados, tanto pelo lado de José Pereira, através de telegrama subscrito por João Suassuna, como também pelo lado de João Pessoa, que igualmente enviou telegrama ao chefe político de Pombal. Havia motivos para isso.
Se por um lado José Queiroga gozava de estreitos laços de amizades e compadrio com José Pereira; por outro lado, o seu cunhado, irmão de sua esposa, Tavares Cavalcanti era o candidato ao senado a chapa de João Pessoa. Aos olhos do grande público, o político pombalense parecia viver um grande dilema, mas provavelmente ele deve ter confidenciados com o dileto amigo, assim como com o cunhado, com quem se dava muito bem, a respeito das suas reais aspirações, demonstrando sinceramente de qual lado estava o seu coração.
Já estamos em meados do mês de maio. As eleições ocorridas em 1° de março não foram capazes de acalmarem os ânimos, muito pelo contrário, a atmosfera belicosa já envolvia grande parte da região sertaneja. O rastilho iniciado em Teixeira havia descido a serra em direção a Princesa e já havia focos de expansão em outras áreas. O conflito armado nos sertões paraibanos era o assunto mais recorrente nos jornais de todo o País.
Naqueles dias, chegou às mãos do presidente João Pessoa cópia de um bombástico telegrama, um tanto quanto desanimador, como, ao mesmo tempo, ameaçador, que, do Rio de Janeiro, o Dr. José Queiroga teria enviado aos oficiais comandantes das forças em operações em Princesa.
Na missiva, Dr. José Queiroga informava que lá na capital federal a intervenção no governo Estado era tida como favas contadas. O Presidente Washigton Luís havia decidido depor o presidente João Pessoa e nomear um interventor para substituí-lo. Sugeria aos oficiais que depusessem as armas para não serem punidos por crimes de guerra.
O “Jornal do Comércio”, por sua vez, publicou notícia dando conta que o prefeito de Campina Grande, Lafayette Cavalcante, teria recebido um telegrama, no qual dr. José Queiroga lhe confidenciava que na questão de Princesa estava solidariamente ao lado de José Pereira.
A respeito da autenticidade do telegrama e veracidade da conversa com o prefeito de campina Grande, dr. José Queiroga manteve-se calado. Deu o silêncio como resposta. Porém, em resposta ao presidente João Pessoa, Tavares Cavalcante negou ser o seu cunhado o autor da correspondência endereçado aos oficiais. De Pombal, um grupo de correligionários de dr. José Queiroga apressou-se em enviar um telegrama ao chefe do executivo estadual, desmentido que chefe político locas tivesse feito qualquer confidência ao prefeito de Campina Grande e fazendo eternas juras de fidelidades e que tais boatos tinha os “intuitos de enfraquecer o ânimo da brava polícia paraibana e pôr em dúvida a lealdade do nosso chefe”.
Digno de registro alguns dos que subscreveram este telegrama, às vésperas das eleições de 1º de março estavam com um grupo de homens armados cabalando votos em favor da chapa perrepista, a exemplo dos seus primos coronel João Queiroga e Osório Queiroga de Assis, o Osório Cabeçudo, conforme frisou o fazendeiro Pedro Marques em depoimento prestado posteriormente.
Aliás, pouco dias depois da emissão deste telegrama, exatamente no dia 1º de julho, um grupo do “Exército Libertador”, ou “Cangaceiros de Zé Pereira”, como era denominado pelos correligionários de João Pessoa, chegou a fazenda Oriente, propriedade de Dr. José Queiroga, onde foram acolhidos por três dias. Na ocasião, houve uma grande festança, em que foram mortos dois ou três bois para a alimentação dos combatentes. Alguns correligionários de Dr. José Queiroga até se cotizaram a fim de arrecadar de dinheiro para o movimento, houve doação de animal de uma montaria devidamente equipado e até um rapaz da região se incorporou ao grupo.
Nem a vitória dos aliancistas, concretizada com a deposição do presidente da República Washington Luís, ocorrida em 24 de outubro, foi capaz de demover indeléveis gestos que demonstravam, sem o menor constrangimento, o enorme sentimento de amizade que dr. José Queiroga tinha para com José Pereira. Em setembro de 1932, setores da imprensa ligados ao governo revolucionário acusavam o Dr. José Queiroga de traidor da revolução. O deputado teria inventado uma viagem para o Rio de Janeiro como pretexto para se ausentar da votação da Reforma da Constituição e criação da nova bandeira do Estado, uma clara referência à Revolta de Princesa, o que, na prática, simbolizava uma provocação ao caudilho de Princesa.
JOSÉ TAVARES DE ARAÚJO NETO