Manuel Arruda de Assis, um dos mais bem-sucedidos oficiais da Polícia Militar da Paraíba, ingressou na corporação por um desses acasos da vida. Nascido na cidade de Pombal, em 3 de janeiro de 1898, coincidentemente, no mesmo dia, mês e ano em que nasceu o líder revolucionário gaúcho Luiz Carlos Prestes, com cuja Coluna vai entrar em confronto 28 anos depois, precisamente no dia 9 de fevereiro de 1926, no sangrento episódio, a hecatombe de Piancó, em que mais de duas dezenas de defensores da cidade foram barbaramente executados, inclusive os pombalenses Padre Aristides e seu irmão, José Ferreira da Cruz.
Manuel Arruda era filho de João Dantas de Assis (Nonô) e Antônia Duarte de Arruda (Totonha), casal integrante de famílias da alta aristocracia sertaneja. Seu tio, Francisco Dantas de Assis (Chiquinho Cabeçudo), fazendeiro, chefe da mesa de renda e político, exerceu o cargo de Prefeito de Pombal durante o período de 1920 a 1925, tendo como subprefeito o comerciante Luiz Granja Coimbra (Tarugo), que, em 1924, após assassinar o delegado da cidade, Tenente Manuel Cardoso, foi substituído no cargo pelo fazendeiro José Liberato de Alencar.
Na sua pós-adolescência, nos primeiros anos da década de 1920, Manuel Arruda teve uma grande paixão pela jovem Ana Dantas de Alencar (Nina), filha do fazendeiro e político Argemiro Liberato de Alencar e Ambrozina Dantas da Rocha, sendo esta última, prima de Nonô, pai de Arruda.
Quando Arruda levou ao conhecimento da mãe a sua disposição em pedir a mão da jovem em casamento, foi rispidamente repreendido: “Pode ir baixando o fogo! Você já está compromissado”. Dona Totonha fez ciente o filho que já tinha em mente a decisão de casá-lo com uma sobrinha. Arruda educadamente retrucou, dizendo que, não sendo com Nina, não havia de sua parte nenhum interesse em casar com outra pessoa.
– Pois fique ciente de que com a minha bênção você não se casará com mais ninguém, ameaçou dona Totonha.
– Então, assim será! Profetizou respeitosamente o jovem Manuel Arruda.
Manuel Arruda foi educado nos rigores de uma sociedade patriarcal, em que prevalecia o respeito dos mais jovens às imposições dos mais velhos. Naquela época, os valores cultuados pelas oligarquias dominantes eram constituídos de conceitos extremamente conservadores, sob a égide da igreja católica. Assim, ele aprendeu desde cedo que a obediência às vontades dos pais era um valor sagrado, que não devia ser contestado em hipótese nenhuma.
Contrariado pelos arroubos autoritários de sua genitora, Arruda pediu consentimento aos pais para viajar para o Sudeste do País. Já que não iria casar com Nina, não havia mais nenhum sentido em permanecer em Pombal. Assim, o jovem partiu para a Parahyba, denominação da capital paraibana na época. Ficou hospedado na residência de uma tia, enquanto aguardava transporte para se destinar à capital bandeirante.
Na capital paraibana, sua curiosidade foi atraída por uma movimentação de pessoas que estava acontecendo em frente ao Batalhão da Polícia Militar, localizado bem próximo à casa da tia. Ali, foi então informado que aquela aglomeração se tratava de jovens interessados em se inscrever no programa de arregimentação de pessoas para integrar o efetivo da polícia militar.
De repente, suas recordações o remeteram à infância. Veio à memória o tempo em que, junto com os companheiros de peraltices, encenavam o enfrentamento da polícia contra os bandidos. Naquelas aventuras ele não abria mão de interpretar a figura justa do policial. Foi então que Manuel Arruda percebeu que tinha diante de si a grande chance de pôr em prática toda experiência lúdica adquirida nas bucólicas ruas de Pombal. Sem pensar duas vezes, o pombalense se alistou e, para o seu contentamento, foi selecionado para integrar a corporação:
“ Eu queria casar aqui e mamãe não consentiu. A moça, até minha parenta ainda, mas mamãe não consentiu. Eu já tinha compromisso certo e resolvi ir embora. Eu ia com destino a São Paulo, mas toda vida eu tive vocação para o militarismo. Aqui eu presenciava as armas de forças volantes tocando cornetas. Aquele negócio, eu achava bonito. Cheguei na Parahyba e ficava na Praça Pedro Américo. O Quartel da Polícia era ali. Aquele movimento de Tropa, todo dia. Eu sentava num banco daquele, olhando. Então, resolvi: Desisti de ir para São Paulo, verifiquei praça na Polícia. ”
Assim como Manuel Arruda, seu amigo Rui Carneiro também foi atraído pelos encantos da beleza agreste de Nina, passando a assediá-la, inclusive enviando recados por amigas comuns com proposta de namoro. Esta situação gerou uma desconfortável rivalidade entre os dois companheiros de farras.
Em entrevista concedida para o projeto “História política da Paraíba: constituição de acervo”, Arruda tocou no tema, resumindo a motivação do desentendimento com Rui Carneiro como “Negócio de rapaz”:
“ Rui não gostava de mim. Foi um grande governo. Ele não gostava de mim porque… nós fomos criados aqui, junto, contemporâneos… Serenatas… Ele era seresteiro. Eu não canto nada. Na minha família não tem quem cante. Não toco nem chocalho. O Rui gostava de uma serenata e eu o acompanhava. Depois, por uma briguinha. Negócio de rapaz. Brigamos e ficamos inimigos. ”
Rui Carneiro e Arruda só vieram se reconciliar no início da década de 1940, quando o primeiro se encontrava no cargo de Governador do Estado, e Manuel Arruda já era um bem-sucedido oficial da Policial Militar. A reaproximação entres os dois conterrâneos se deu graças a interveniência do amigo comum, Epitácio Pessoa (Epitacinho), filho do ex-Presidente da Paraíba, João Pessoa. Posteriormente, em 1947, atendendo ao convite de Janduhy Carneiro, com o aval do irmão Rui, Arruda se candidata e é eleito prefeito de Pombal, depois, eleito deputado estadual por dois mandatos consecutivos. Diante da indisposição de Arruda em disputar um terceiro mandato na Assembleia Legislativa, Janduhy e Rui foram pessoalmente tentar convencê-lo, mas o velho oficial foi irredutível: “De modo nenhum! Eu já fui demasiadamente homenageado por vocês, pelo Partido. Por outro lado, eu contribuí… já dei minha cota de sacrifício…”.
No início de 1928, o Governador João Suassuna nomeou o Tenente Manuel Arruda para comandar a delegacia de polícia de São João do Rio do Peixe, cidade localizada na região polarizada por Cajazeiras. Nesta última, o oficial reencontrou Nina – sua parente e única paixão –, agora casada com o jovem Renato de Sousa Maciel, pais de duas belas crianças de nomes Rosival e Irany. Arruda manteve grande amizade com a família, sempre que ia a Cajazeiras, reservava tempo para visitá-la. Não se tem notícia de que Nina teve conhecimento de sua participação, embora de forma involuntária, na decisão de Arruda em jamais contrair matrimônio.
Nem mesmo este inusitado contratempo sentimental, que marcou de forma indelével a sua trajetória de vida, foi capaz de fazer Manuel Arruda uma pessoa introspectiva, amargurada ou triste. Muito pelo contrário, Manuel Arruda era um homem gentil, comunicativo, sensato, afável, bem-humorado, enfim, um cidadão extremamente carismático. Foi um verdadeiro protagonistas do seu tempo, que fez da luta pela justiça, um sacerdócio; das caçadas e a pescarias recreativas, seu passatempo; e dos amigos, sua família.
JOSÉ TAVARES DE ARAÚJO NETO