Havia entre os detentos da cadeia de Pombal uma pessoa de nome Julião Ferreira de Souza, um ex-escravizado alforriado. O referido preso havia sido sentenciado a vinte anos de prisão por tentativa de homicídio contra o potentado Capitão Francisco de Oliveira Freitas, ex-delegado de Pombal e proprietário da fazenda Várzea Comprida.
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A desavença entre Julião Ferreira e o Capitão Francisco Oliveira datava do início da segunda metade da década de1860, quando o capitão era então Delegado de Pombal. Naquela época, o governo imperial estava recrutando de forma compulsória pessoas para lutar na guerra do Paraguai.
Cientes de que Julião se encontrava residindo na cidade de Catolé do Rocha, as forças imperiais foram até aquela cidade, prenderam-no e o escoltaram para o cumprimento de suas obrigações patrióticas. Julião atribuiu sua captura ao delegado da cidade de Pombal e jurou vingança.
Cerca de um ano depois, Julião reapareceu em Pombal alegando que havia sido dispensado do Exército por problemas de saúde. Não escondia suas mágoas e rancores e sobretudo um enorme desejo de vingança. Sabedor de suas intenções, o Comandante da Guarda Nacional, Coronel João Dantas de Oliveira, inimigo figadal do Capitão Francisco Oliveira, convidou-o para residir em sua fazenda São Benedito.
Às 19:00 horas de 23 de novembro de 1869, o Capitão Francisco Oliveira encontrava-se conversando com um irmão na frente de sua casa na Fazenda Várzea Comprida, quando foi atingido por um tiro de clavinote. Após o estampido, o autor partiu em disparada, se perdendo no breu da noite. Em 25 de janeiro do ano seguinte, o “Jornal do Recife” veiculou uma interessante matéria sobre o episódio, da qual destacamos alguns trechos:
“Desde o baixo ventre até a cabeça empregaram-se 65 caroços, os quais já foram tirados, com excepção de quatro, sendo que o incomoda um, que se empregou abaixo do peito esquerdo, havendo receio de que tenha profundado tanto, e mais 31 caroços de chumbo desviaram se e ficaram cravados na parede da casa.
Avisados imediatamente, o genro e a filha do capitão Oliveira, os quais moravam a pouca distância, compareceram de pronto, bem como muitos vizinhos e amigos.
A força chegou pouco depois do padre, que a digna filha do capitão Oliveira, no maior estado de consternação mandara chamar, pois a primeira notícia que tivera foi que seu pai estava mortalmente ferido.
As suspeitas recaíram contra Julião, que tinha sido escravo de uma tia do capitão Oliveira. Esse Julião mudando-se de Pombal para Catolé foi ali preso com destino ao Paraguai, para onde seguiu. Voltando por estar doente, segundo disse, há um ano ou pouco mais ou menos, declarou por muitas vezes e publicamente, que o capitão Oliveira lhe pagaria com um tiro a prisão, que sofrera, atribuindo-a ao mesmo capitão por denúncia ou requisição que fizera, quando no exercício de delegado de Pombal, segundo presumia.
A força dirigiu se imediatamente à casa do assassino, prendeu-o encontrando a espingarda, com que havia atirado, escondida em uma parede de ramos de oiticica.”
Diante das evidências comprobatórias, Julião confessou a autoria do crime, mas isentou o seu patrão de qualquer responsabilidade, alegando que a motivação do crime teria sido por iniciativa próprio com o propósito de acerto de contas.
Julião Ferreira e o comandante João Dantas de Oliveira fizeram um pacto de camaradas: Ele silenciava, isentando o comandante de qualquer responsabilidade e este, por sua vez, buscaria os meios para garantir a sua liberdade.
Após a condenação do criminoso, o Comandante João Dantas de Oliveira iniciou uma série de diligências, fazendo uso de todo o seu prestígio e poder para livrar o seu leal morador da prisão. Em uma primeira tentativa, fez comparecer em juízo uma pessoa se dizendo ser o verdadeiro autor do crime. Diante das inúmeras contradições apresentadas pelo auto-denunciante, a suposta confissão foi desconsiderada pelo juiz, sendo o processo novamente arquivado, permanecendo Julião Ferreira preso no cumprimento de sua pena.
Frustrada a primeira tentativa, o comandante João Dantas de Oliveira não se deu por vencido. Fazendo uso de sua autoridade de Comandante da Guarda Nacional da Vila de Pombal, escreveu uma carta ao líder máximo da nação. o imperador D. Pedro II. Na missiva, o comandante solicitava ao Imperador a anistia para o seu bravo amigo, sob a alegação que ele se encontrava preso por perseguição política, principalmente por ser um dos mais combativos defensores da monarquia. Não há registro de que o imperador chegou a dar resposta à indicação do comandante. Provavelmente não.
Em meados de 1873, surgiram rumores dando conta que Jesuíno Brilhante pretendia tomar de assalto a cadeia de Pombal, a fim de resgatar o seu irmão Lucas, que após cometer um homicídio em Catolé do Rocha, fora preso e, por medida de segurança, havia sido transferido para a cadeia de Pombal.
Ao tomar conhecimento da intenção de Jesuíno Brilhante, o coronel Antônio Chacon de Aragão, Comandante Geral do Corpo de Polícia, por solicitação do delegado Capitão João Peixoto de Vasconcelos, mandou policiais para reforçar segurança da cadeia de Pombal, de forma a inviabilizar a pretensão do cangaceiro de Patu.
O Comandante João Dantas de Oliveira vislumbrou nesta suposta ameaça de Jesuíno Brilhante uma grande oportunidade de libertar também Julião Ferreira. Havia entre o Comandante João Datas e a família Alves Calado, de Jesuíno Brilhante, uma estreita relação de amizade e compadrio. Os pais de Jesuíno haviam vindo morar em Pombal logo após o desentendimento dos seus filhos com a família Limão, fato ocorrido no município de Patu, da vizinha província do Rio Grande do Norte, terra natal do Comandante João Dantas de Oliveira.
A partir de entendimentos com o cangaceiro Jesuíno Brilhante, o Comandante João Dantas deu início a um meticuloso plano com vistas ao pleno sucesso da empreitada criminosa. Como primeira parte desse plano, o Comandante cuidou de espalhar a notícia de que o Alferes Eustaquio Rego, homem de sua inteira confiança, havia sido promovido e seria logo nomeado Comandante do destacamento local. Para tanto, o Alferes havia viajado para a capital.
Após 15 dias, o referido Alferes reaparece apresentando às autoridades ocais um ofício da Chefia Geral da Polícia, assumindo assim o comando e passando a modificar o sistema de segurança na ordem pública, o que significou também a redução efetiva que mantinha segurança da cadeia.
É oportuno assinalar que também se encontrava preso o célebre cangaceiro conhecido por Mané Pajeú, remanescente do bando de Cabé Brilhante, que juntamente com Lucas havia sido transferido da cadeia de Catolé do Rocha para a de Pombal. A transferência de presos de maior periculosidade de outros municípios para a cadeia de Pombal era uma prática muito recorrente devido à segurança daquela casa de detenção.
Foi nessas circunstâncias que na madrugada chuvosa de 19 de fevereiro de 1874. um grupo de oito cangaceiros, incluindo Jesuíno Brilhante, tomou de assalto a cadeia de Pombal sem encontrar nenhuma resistência.
“O cabo comandante do corpo da guarda, bem como os seus próprios comandados, dormiam a sono solto, quando sob o barulho, acordam com as armas do grupo apontadas sobre eles, que entraram na maior confusão e sem a mínima orientação.
Em plena escuridão, alguns soldados conseguem correr desarmados, quando surgiam alguns disparos por parte dos cangaceiros, que aproveitando aquela confusão, deram início ao trabalho, quebrando cadeados, grades e até portas de madeira.
Jesuíno, aproveitando a zoada da chuva, do vento e da trovoada no momento. valendo-se de um serrote que conduzia para o propósito, passava a serrar as traves da porta, dentro de pouco tempo, estava tudo devassado. Os presos por sua vez, também ajudavam por dentro no que era possível.”
No total, foram quarentas e três presos que evadiram da cadeia tida como a uma das mais seguras da província da Paraíba, sendo que grande parte dos criminosos oriundos de outra comarcas, conforme assim especificados:
DO TERMO DE POMBAL: 1 – Julião Ferreira de Souza, 2 – Antônio, 3 – Miguel Rodrigues de Maria, 4 – José Rômulo da Silva, 5 – Manoel Pereira da Silva, 6 – André Avelino Gomes, 7 – Fortunado, 8 – Manoel de Montes Virgulino, 9 – Ilísio, 10 – Manuel;
DO TERMO DE CATOLÉ DO ROCHA: 11 – Manuel de Souza Benvenuto Pajeú, 12 – Lucas Alves de Melo, 13 – Manuel Antônio do Nascimento;
DO TERMO DE PIANCÓ: 14 – Manuel Florêncio de França, 15 – Manuel de Lima, digo de Lucas Barros, 16 – Marcos Pereira da Silva, 17 – Geremias Pereira da Costa, 18 – Antônio Raimundo de Souza, 19 – Manoel Vicente Pereira, 20 – Fortunato Pires de Araújo, 21 – Galdino Ferreira Batista;
DO TERMO DE MISERICÓRDIA: 22 – Joaquim José de Santana, 23 – Manuel Marinho de Magalhães, 24 – Arcanjo José Frutuoso;
DO TERMO DE SOUSA: 25 – Francisco Gomes da Costa, 26 – Manuel Mendes da Paz, 27 – Antônio Manuel de Lima, 28 – Silvino Pereira de Santos, 29 – Pedro Fernandes do Rego, 30 – João dos Reis Maciel;
DO TERMO DE CAJAZEIRAS: 31 – Abel Cardoso Vergel, 32 – Antônio Gonçalves de Souza, 33 – Joaquim José de Santana, 34 – Manuel Vieira de Montes, 35 – Venceslau Nunes de Maira, 36 – Raimundo Pereira da Nóbrega, 37 – Gabriel Rodrigues dos Santos, 38 – Manuel Ferreira Amâncio, 39 – Francisco Lucas de Souza;
DO TERMO DE PATOS: 40 – Clementino Barbosa da Silva, 41 – Gregório Pereira Lima, 42 – Florêncio Crisóstomo da Silva, 43 – Manuel Moreno dos Santos.
Durante as diligências do inquérito policial, ficou comprovado que o Alferes Eustaquio não esteve na capital da Província, assim como não foi promovido, tampouco nomeado comandante do destacamento local. O documento que ele apresentou para assumir o cargo era falso. A assinatura do Comandante Geral da Polícia, coronel Antônio Chacon de Aragão, fora criminosamente falsificada.
As testemunhas arroladas foram as seguintes pessoas: Teodório Plácido Pereira (Carcereiro), Alferes Eustáquio do Rego (Comandante do Destacamento),Capitão João Peixoto Vasconcelos (Delegado de Polícia), Professor Trajano P. Holanda (Testemunha), Fortunato P. Araújo (Testemunha), Manoel L. Oliveira (Testemunha), José Valeriano Nascimento (Testemunha), Sargento Cândido Guedes Fonseca (Auxiliar do Comandante), Francisco Tomás Andrade (Testemunha), Antônio J. de Souza (Testemunha), Elísio A. de Sousa (Testemunha) Ricardo S. de Oliveira (Testemunha), José Vieira Silva (Testemunha). Francisco Rodrigues (Testemunha), Álvaro Virgolino (Testemunha) e também foi arrolado como testemunha João Inácio Cardoso Darão, que viria a ser tetravô do autor do presente artigo.
Foram pronunciados pelo juiz municipal. Dr. Antônio Muniz Sodré de Aragão, incursos no artigo 122 do código criminal os réus Jesuíno Alves de Melo (vulgo Jesuíno Brilhante), Joaquim Monteiro, João Alves Filho, Manoel Lucas de Melo, Félix Antônio Canabrava, Raimundo Ângelo (conhecido por Latada), Manoel de tal (conhecido por Manuel Cacheado) e José Rodrigues todos indiciados como autores do assalto e arrombamento da cadeia da cidade de Pombal.
O coronel João Dantas de Oliveira, Comandante Geral da Guarda Nacional, e o Alferes Eustáquio do Reino Toscano de Oliveira Nóbrega, foram indiciados como cúmplices, sendo este que o último também foi incurso nos artigos 167 e 301 do Código Criminal, por crimes de falsidade ideológica e por fazer uso de documentos falsificados.
José Tavares de Araújo Neto