“nº 218 – Organizar-se-á quanto antes um Código Civil e Criminal fundado nas sólidas bases da Justiça e da eqüidade”; “nº 219 – Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis”. (Art. 179 da Constituição Imperial de 1824.)
Por quase 400 anos (1530 a 1888) os escravizados figuraram como bens acessórios dos imóveis, juntamente com os semoventes do seu senhor. Mesmo com a Constituição Imperial, outorgada por D. Pedro I em 1824, dita liberal e que garantia direitos humanos/individuais, esta, sobre o negro silenciou formalmente permitindo o trabalho escravo até 1888. Nesse período o escravizado poderia ser propriedade de uso de vários senhores, através de aluguel. Com a morte do senhor o testamento deixava por herança, também, os escravizados e seus “fructos” ou “crias” aos herdeiros do escravocrata. A Lei nº 1.237/1864 declara os nascituros negros como “acessões naturais”.
Uma vez alforriado o ex-escravizado tornava-se cidadão, porém, uma vez revogada a alforria por ingratidão do liberto, acontecia a reescravização em afrontamento à Constituição Imperial (art. 7º). Outro fato marcante era o “rufianismo” dos senhores para com suas escravizadas, quando as ofereciam em meretrício. Afinal, a um proprietário é facultado e permitido o livre uso de seus bens/escravas, entendia a Suprema Corte da época.
Mesmo na vigência da Carta Magna, outorgada pelo Imperador, o Código de Processo Criminal, promulgado em 1830 em seu art. 60 expressava: ” Se o Réu for escravo, e incorrer em pena que não seja capital ou de galés será condenado na de açoites e, depois de os sofrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazê-Io com um ferro, pelo tempo e maneira que o juiz designar.” Esses marcos da legislação brasileira nos mostra a tenaz resistência dos negros à escravização e o uso do Direito como instrumento de opressão.
Em se tratando das leis de libertação, estas foram gradualmente apresentando soluções para problemas dos senhores e não somente para os escravizados. Vejamos, a Lei dos Sexagenários (Lei nº 3.270/1885) retirava dos senhores os velhinhos improdutivos (considere que a expectativa média de vida de um escravizado era de 25 anos); Na Lei do Ventre Livre (Lei nº 2.040/1871) o Estado indenizava o proprietário em 600$00 (seiscentos réis) ou a utilização dos serviços do menor até completar 21 anos.
Outras leis e incentivos reivindicam destaque neste texto. É fato que D. João VI ficou estarrecido com a quantidade de pretos na terra brasilis quando aqui chegou em 1808. De pronto, o rei do Reino Unido de Portugal, do Brasil e Algarves emite Decreto, em 25 de dezembro do mesmo ano, dando início a política de chamamento das “gentes brancas livres” para branquear a paisagem populacional do lugar.
A sequência de documentos reais é um verdadeiro manifesto racista. A Carta Régia de 23 de setembro de 1811 convidava colonos irlandeses para São Pedro (RS); o Decreto de 6 de maio de 1828, abre os braços para os colonos suíços em Nova Friburgo (RJ); a Decisão nº 80, de 31 de março de 1824 provoca colonos alemães para se instalarem em São Leopoldo (RS). De 1874 até 1900 foram mais de 800 mil imigrantes europeus aportando nas terras brasileiras.
Por fim, a Lei Áurea nº 3.353, de 13 de maio de 1888, aboliu a escravidão, O negro, subentende-se, passa a condição de cidadão brasileiro, titular de direitos e obrigações. Mas o menosprezo das elites, até mesmo de abolicionistas, para com os negros se manifesta com o Decreto nº 528, de 28 de junho de 1890 quando, em seu artigo 1º, é taxativo: ” É inteiramente livre a entrada, por portões da República, dos indivíduos válidos e aptos para o trabalho… excetuados os indígenas da Ásia e da África…“
Deste ponto em diante o desrespeito, o desprezo e a violência continuaram a assombrar os negros que aqui viveram e repercutem no racismo estrutural que sofrem os seus descendentes que aqui nascem e vivem. Mas, essa história fica para a próxima coluna.
Francisco Jarismar
Licenciado em História pela UFPB
Servidor Público Federal do IFPB
CONTATO: [email protected]