Quando criança, logo que os primeiros raios do sol iluminavam o meu sertão, havia um sabiá que voava sobre o quintal da casa de minha avó. Após plainar com um singular balé, como se estivesse a promover o reconhecimento do local, o belo pássaro pousava num galho da frondosa mangueira que sombreava aquele chão do meu tempo de infância.
Dali, daquele galho, o sabiá inciava o seu canto matinal. Batia as asas, e, do seu bico, ecoava a sonoridade de uma sinfonia esplendorosa, que, guiada pelo vento, passava pelas frestas das janelas do meu quarto e suavemente ia me acordando. Meus olhos ainda estavam fechados, mas meus ouvidos eram atraídos para acordar para mais um dia de vida. Era algo divino. Pelos meus tímpanos, sem pedir licença alguma, chegavam frequências sonoras, notas musicais que vinham lá de fora, do quintal, do galho daquela mangueira, do pulmão e do bico daquele pequeno ser, que me chamava, convidando-me para apreciar o seu canto, a natureza, o sertão, o seu sol, as suas árvores e seus encantos.
Diante daquele som, meus olhos iam se abrindo para o mundo. Da rede, lentamente eu ia me espreguiçando, acordando. Ainda meio sonolento, ouvindo aquele canto, parecia que eu estava sob efeito de sonhos, que eu caminhava num imenso jardim, ouvindo sinfonicamente a passarada. Mas, o sabiá sempre resolvia intensificar a sua canção, como a me convocar à ir até ao quintal da casa da minha avó, ao seu encontro. Seu canto me atraía, e, por isso, eu me levantava e atendia ao seu chamado.
Passando pela cozinha, logo eu chegava ao terraço, de onde a minha visão contemplava o enorme quintal. Da balaustrada, o meu olhar avistava a glamorosa mangueira. E lá estava o sabiá, num galho bem alto a me olhar. Parecia que, ao sentir minha presença, ele batia ainda mais suas asas, respirava fundo, e, do seu peito, soltava intensamente uma sinfonia inesquecível. Aquele ser, pequeno em tamanho, mas enorme em seu canto, quase diariamente me convidava para o diálogo, para que eu assistisse à sua apresentação matinal. Chamava-me para despertar do sono e vivenciar os encantos da Santa Natura.
Essa sintonia entre o meu existir e aquele sabiá era e ainda é algo enigmático, fascinante e inesquecível. Ao retornar recentemente ao quintal da casa da minha avó, lá não mais vi a mangueira, nem o amigo sabiá. Tudo era vazio e silêncio. Fiquei a imaginar: onde andará meu sabiá? O seu canto e sua descendência, por onde andam? O tempo passou, passou mesmo, e eu nem senti. A vida é assim, tudo passa, mas existem coisas que ficam conosco guardadas para a eternidade. Uma delas foi aquele sabiá e seu canto.
Liberdade PB