Decreto, que ainda precisa ser votado no Parlamento, prevê transferência do corpo do ditador para outro local, que poderá ser decidido pela família. Mausoléu virou destino de peregrinação de extremistas de direita.
Mais de quatro décadas depois da morte de Francisco Franco, o governo da Espanha aprovou nesta sexta-feira (24/08) um decreto para permitir a exumação dos restos mortais do ditador, enterrado no polêmico Vale dos Caídos, e sua transferência a outro local.
O líder militar, que governou a Espanha de 1939 até sua morte, em 1975, está enterrado numa imponente basílica que virou destino de peregrinação para simpatizantes do general e de grupos de extrema direita.
O Vale dos Caídos, na Serra de Guadarrama, a 40 quilômetros de Madri, é um complexo arquitetônico idealizado por Franco para homenagear os mortos da Guerra Civil Espanhola. Ele solicitou a construção do monumento – e de uma cruz cristã de 150 metros – para enterrar e homenagear as vítimas “caídas de Deus e da Espanha”.
A vice-primeira-ministra espanhola, Carmen Calvo, confirmou nesta sexta-feira, após uma reunião do gabinete, que a exumação de Franco será possível mediante uma modificação na chamada Lei de Memória Histórica de 2007.
“Estamos celebrando os 40 anos da Espanha democrática, de uma ordem constitucional estável e madura. [Isso] não é compatível com um monumento estatal em que a figura de Franco continua sendo glorificada”, afirmou Calvo.
O decreto, aprovado pelo governo do socialista Pedro Sánchez, ainda precisa ser votado no Parlamento, onde os socialistas estão em minoria. Eles, no entanto, devem contar com o apoio dos esquerdistas do Podemos, dos separatistas catalães e dos nacionalistas bascos para obter a maioria simples necessária.
O texto aprovado nesta sexta-feira permite que a família de Franco decida para onde quer transferir os restos mortais do ditador. Caso ela não se pronuncie ou se negue a fazê-lo, o próprio governo deve decidir seu destino definitivo.
“Tudo [será feito] com as garantias legais”, ressaltou Calvo, insistindo no “caráter urgente” da exumação e que “não se pode perder nem um só instante” para realizar essa tarefa. Segundo ela, Madri prevê que o processo seja realizado até o fim do ano.
Após sua morte em 1975, após liderar um regime ditatorial ao qual chegou por meio de uma sangrenta guerra civil (1936-1939), Franco foi enterrado em um local do Vale dos Caídos, construído por presos republicanos que faziam trabalhos forçados.
Em nome de uma suposta reconciliação nacional, o ditador ordenou para uma cripta no local a transferência dos restos mortais de cerca de 27 mil combatentes leais a ele, assim como os corpos de 10 mil republicanos – unindo na morte aqueles que um dia lutaram ferozmente uns contra os outros. Muitos deles foram enterrados anonimamente.
Inaugurado em 1959, o local é visto como um monumento que exalta a ditadura franquista e um símbolo profundamente divisório de um passado que a Espanha ainda tem dificuldades de digerir. Muitos dos familiares de combatentes republicanos se sentem humilhados com seus entes queridos sepultados ao lado de franquistas, incluindo o seu comandante.
Em maio de 2017, o Parlamento espanhol já tinha aprovado uma iniciativa do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) que exigia que o então governo conservador de Mariano Rajoy retirasse os restos mortais do ditador do Vale dos Caídos.
A iniciativa, que não tinha força de lei nem era vinculativa, tinha como objetivo que o memorial ao regime franquista se transformasse num “espaço para a cultura da reconciliação, a memória coletiva democrática e a dignificação e reconhecimento das vítimas da guerra civil e da ditadura” espanhola. Críticos comparam a existência do local com um monumento de glorificação a Adolf Hitler.
O novo governo socialista, sob o comando de Sánchez, que assumiu o cargo em 2 de junho, logo tratou de avançar com os planos de exumação sob a alegação de que a Espanha “não pode permitir símbolos que dividem”. O governo quer transformar o memorial num local de reconciliação nacional.
Mas os descendentes de Franco são totalmente contra a remoção de seus restos mortais, assim como simpatizantes do general. Em julho passado, ao menos mil pessoas se reuniram no mausoléu do falecido ditador para protestar contra os planos de Madri.
Um grupo de extrema direita tinha convocado uma “peregrinação nacionalista, patriótica e religiosa” para impedir o “saque” do túmulo de Franco pelo novo governo socialista.
Enquanto se reuniam, os manifestantes cantaram o hino do partido fascista Falange, cujo fundador José Antonio Primo de Rivera está enterrado ao lado de Franco.
Carmen Calvo disse que o caso de Primo de Rivera é diferente do de Franco, já que, como milhares de enterrados ali, ele foi “vítima da guerra” ao ter sido aprisionado e fuzilado pelos republicanos nos primeiros meses do conflito.
Fonte: DW