Tempo, velho amigo, não machuque os nossos corações, pois a saudade já aperta o peito. Sei que você nos avisou, mas queríamos que parasse por um momento, somente um instante, e assim abriríamos a cancela do olhar e caminharíamos pelo seu túnel imaginário. Voltaríamos. Sim, voltaríamos ao passado, só por um minuto, se assim você nos atendesse, e, aí, nós correríamos soltos pelo mundo mágico e feliz já vivido.
Distanciando o nosso olhar, enxergaríamos uma casa de esquina, de muro enorme, com muitas fruteiras e um belo jardim. Ali, um menino descalço e sem camisa, correndo em meio as fruteiras. Numa rede, o seu pai descansava do almoço. O garoto, então, segura o punho, balança a rede e diz: “Acorde. Tá na hora de trabalhar”. Nesse instante, seu pai se levanta, passa a mão em sua cabeça e segue para o labor.
Prolongando ainda mais o olhar, abriríamos a porteira do curral, onde havia um vaqueiro tangendo o gado para a pastagem. Lá se via um menino correndo pelos baixios, brincando de atirar de baladeira. Ouviríamos o canto do sabiá e nos banharíamos nas águas do Rio Piranhas. Ampliando ainda mais o nosso olhar, estaríamos montados num cavalo de pau, levantando a poeira da recordação. Como se dirigíssemos um automóvel, corríamos por dentro da casa da Avó Raimunda com uma tampa de caçarola na mão.
Expandindo ainda mais a visão, visualizaríamos um pequeno grande homem tomando um gole de café na casinha da fazenda. No alpendre, uma bela rede, e, no seu balanço, a vontade de ficar.
No chão do sertão, a riqueza da roça: feijão, batata, banana e um imenso milharal. Na invernada, os riachos, águas e cachoeiras. Mais adiante, o engenho da saudade, gemendo e moendo a cana-de-açúcar. Os bois, gordos e faceiros, soltos no pasto verde. Numa légua, viam-se serras, serrotes, juazeiros, baraúnas e ingazeiras.
O nosso olhar é levado pelo vento das lembranças, e enxergo um mundo sem drogas, repleto de amor, paz e solidariedade. Vejo a noite chegando e vizinhos conversando na calçada, casais de namorados passeando pelas praças, sem medo do vento da violência. Lá distante, a imagem do trem devagarzinho chegando à estação. Uns desciam, outros subiam da locomotiva. Uns chegavam felizes, outros partiam tristes, mas tudo parecia festa. De repente, o apito. O sinal de que o trem anunciara a sua partida. E lá foi ele, deslizando calmamente pelos trilhos do tempo, sumindo no horizonte do nosso olhar.
Tempo. Tempo velho amigo. Tempo menino, dê-nos a chave do teu segredo. Diga-nos por que você sempre é criança.
Liberdade PB