José Terto Magalhães, Zé Terto, pernambucano de Flores do Pajeú, iniciou sua vida criminosa quando engrossou as fileiras do bando de Manoel Pereira da Silva Filho (Né Pereira), que havia formado um grupo homens armados em busca de vindita pela morte de seu tio Manuel Pereira da Silva Jacobina, o Padre Pereira, genro do Barão do Pajeú. O assassinato do Padre Pereira, ocorrido em 15 de outubro de 1907, vem recrudescer a animosidade entre as famílias Pereira e Carvalho, protagonistas de um sangrento clima de hostilidade que remontava desde o período imperial. Assassinado em outubro de 1916, Né Pereira é sucedido por seu irmão Sebastião Pereira e Silva (Sinhô Pereira) e o primo Luiz Pereira da Silva (Luiz Padre).
Por insistência de sua esposa, Sebastiana Tereza de Jesus, em 1909 Zé Terto decide deixar o Pajeú e ir morar em Juazeiro, perto de Padre Cícero e longe das sangrentas contendas do Pajeú. A chegada de Zé Terto a Juazeiro praticamente coincidiu com a do major Floro Bartolomeu, que já se encontrava na região desde ano anterior, atraído pelas cobiçadas minas de cobre do Coxá, situada em propriedade pertencente ao Padre Cícero, localizada nos limites de Aurora e Milagres.
Entretanto, o Cariri cearense, palco de constantes embates, ocasionados principalmente por disputas políticas, conflitos de terra e questões familiares, certamente não era o lugar recomendado para quem buscasse paz e sossego. Por outro lado, os habituais conflitos entre coronéis tornavam a região um campo fértil capaz de ofertar grandes de oportunidades de emprego para aqueles que tinham aptidão na arte do uso do bacamarte. A experiência adquirida por Zé Terto nas lutas contra os Carvalhos fez dele um elemento desejado por todas aqueles que se encontravam em pé-de-guerra, principalmente por o mesmo ser natural de Flores do Pajeú, terra conhecida por ser berço de homens destemidos e corajosos à toda prova.
Zé Terto teve importante participação no conflito que ficou conhecido como “A Sedição de Juazeiro”, ocorrido em 1914. Além de agenciar vários homens em armas no Pajeú para engrossar as tropas do Padre Cícero, ele teve destacada participação no vitorioso combate em que os insurgentes repeliram ao ataque das forças oficiais que, sob o comando do major Ladislau Lourenço, pretendiam tomar Juazeiro. Graças a sua brilhante participação, foi escolhido pelo major Floro Bartolomeu para comandar as 3ª Coluna que atacou a cidade do Crato. A 1ª e 2ª Coluna foram comandadas por Zé Pedro e Manuel de Chiquinha, respectivamente.
Foi um tiro certeiro de Zé Terto que fez tombar mortalmente o delegado do Juazeiro, o paraibano Quintino Feitosa, que também havia participado da sedição. Quintino havia assassinado, em legitima defesa, Sinhozinho, irmão de Zé Pinheiro. Logo após o sepultamento do irmão, Zé Pinheiro juntou um grupo, dentre os quais Zé Pedro e Zé Terto, que cercou a casa de Quintino, que junto com amigos, resistiu por cerca de 13 horas. Quando tentava furar o cerco, já praticamente sem munição, carregando seu filho de apenas um mês de idade, Quintino Feitosa foi acertado nas costas por um balaço disparado da arma de Zé Terto, que se encontrava sobre o telhado de sua residência. A esposa de Quintino Feitosa entrou no meio do fogo para resgatar o filho. Zé Pinheiro cortou o lábio do morto e mergulhou-o em um copo de cachaça, justificando, entre gargalhadas, que era “para temperar a bebida”.
Após a sedição, Zé Terto se notabilizou como o mais importante agenciador de homens em armas, sejam para fortalecer as milícias dos coronéis em pé-de-guerra, sejam para engrossar as fileiras dos grupos de cangaceiros. O material humana em maior parte ele buscava na região do Pajeú, onde havia com abundância gente disposta a colocar a vida em risco por causas não tão nobres em troca de pouco mais que um prato de comida.
Dentre os seus clientes mais notáveis destacam-se o major Zé Inácio do Barro, fazendeiro de Milagres que mantinha a seu serviço diversos homens armados, os primos Luiz Padre e Sinhô Pereira e, posteriormente, o próprio Lampião. Quando preso em fins de 1922, no povoado de Alagoinha, atual Ipaumirim, o cangaceiro pombalense Ulisses Liberato de Alencar, protegido do major Zé Inácio do Barro, disse em depoimento que algumas vezes foi assediado por Zé Terto com fins de colocar os seus serviços profissionais em prol de interesses criminosos de alguns poderosos da região do Cariri cearense.
Um episódio de grande repercussão política envolvendo Zé Terto aconteceu em 5 de abril de 1928, quando este foi preso na estação ferroviária da cidade de Senador Pompeu, sob acusação de porte ilegal de arma, inclusive encontrava-se conduzindo um caixote contendo armas, munições e um pequeno vasilhame contendo o poderoso veneno conhecido por estricnina. Ele já vinha sendo investigado desde o dia anterior, quando foi visto em Quixeramobim acompanhado de diversos homens armados.
A Chefia de Polícia do Estado informou ter encontrado em posse de Zé Terto um bilhete José Lopes à Mousinho Cardoso solicitando o envio de cangaceiros, missão esta que teria sido confiada à Zé Terto. Segundo a polícia, a vinda destes homens teria como objetivo a perturbação das eleições que seriam realizadas nos municípios de Crateús e União, atual Jaguaruana.
O fato teve grande repercussão por envolver duas controvertidas personalidades da política cearense: José Lopes, chefe conservador dissidente de Nova Russas, que se encontrava-se em renhida luta armada contra o prefeito Arthur Pereira, inclusive meses antes havia invadido a cidade com o intuito de depor seu inimigo; e Mousinho Cardoso, de nome Pedro Aristides Cardoso, influente político em Juazeiro, que em 1926 destacou-se como comandante do Batalhão Patriótico, organizado por Floro Bartolomeu, para combater a Coluna Prestes, com a qual teve embate por três vezes: em Campos Sales, Ceará; em Chabocão, Paraíba; e em Vila Bela, Pernambuco.
No domingo seguinte à prisão de Zé Terto, 8 de abril, Mousinho Cardoso foi preso justamente no mesmo local onde seu comparsa foi detido: na estação ferroviária de Senador Pompeu. Recambiado para Fortaleza, em depoimento Mousinho confirmou que de fato agenciou apenas meia dúzia de homens para acompanhar José Lopes em uma visita de negócio à Crateús, já que o mesmo não conseguiu resposta à requisição feita junto as autoridades do Estado. Posto em liberdade por força de Habeas, Mousinho acusou a o governo de perseguição e submetê-lo a constrangimento e tortura psicológica por motivação política. Em carta ao presidente Washington Luís reclamou do governo do Estado e lembrou de seus serviços prestados à nação como comandante do Batalhão Patriótico. Poucos dias depois, Zé Terto também foi posto em liberdade.
Zé Terto prestou seus serviços do coronel Felinto da Cruz Neves, potentado político de Santana do Cariri, que por três vez resistiu a ataques promovidos pelo seu inimigo fidagal, o major Manoel Alexandre Gomes de Sá, com o objetivo de apeá-lo do cargo de prefeito daquela cidade. Segundo a oralidade, a primeira dessas investidas contou com a participação de um dos irmãos de Lampião, o Ezequiel Ferreira, que ainda não tinha adentrado nas hostes do cangaço. Diante da eminência de ser atacado por seu inimigo, o coronel Felinto da Cruz recorreu aos préstimos do corretor de cangaceiros Zé Terto, que prontamente lhe forneceu 40 homens em armas.
Na Revolta de Princesa, conflito armado ocorrido no sertão paraibano em 1930, Zé Terto recrutou nas regiões do Cariri cearense e no Pajeú pernambucano entre 150 a 200 homens para engrossar a milícia do coronel José Pereira, em guerra declarada com as forças oficiais do Estado da Paraíba, no governo do Presidente João Pessoa.
No início do conflito, o capitão Antonio Salgado, comandando do batalhão de vigilância da faixa fronteiriça da Paraíba com o Ceará, acantonado no município de Cajazeiras, recebeu telegrama do Secretário de Segurança, José Américo de Almeida, alertando-o que havia sido informado por fontes seguras que Zé Terto estaria tentado atravessar aquelas fronteiras com elementos armados, trazidos de Juazeiro, do Ceará.
Em resposta ao Secretário de Segurança, o experiente oficial da polícia paraibana lembrou da necessidade de reforçar a vigilância de todas as zonas limítrofes da Paraíba com o Ceará e Pernambuco, mais notadamente as áreas mais críticas, citando as fronteiras de Conceição, Serra da Canabrava e Serra do Catolé, indiscutivelmente as principais vias de interligação dos redutos de bandoleiros que atuavam nos três Estados.
Entretanto, o governo da Paraíba não teve condição de reforçar a vigilância nas fronteiras, já que praticamente todo o efetivo da polícia militar, inclusive o capitão Antonio Salgado e seus comandos, teve que ser concentrado em Princesa, a fim de combater a surpreendente reação dos homens do coronel José Pereira.
Desta forma, as portas de entrada da Paraíba ficaram escancaradas, facilitando assim o trabalho de Zé Terto, diga-se de passagem, de imensurável relevância para a causa liderada pelo chefe político de Princesa.
JOSÉ TAVARES DE ARAÚJO NETO