Em 27 de janeiro de 2018, aniversário da libertação de Auschwitz, uma aposentada enérgica percorre sua lista de contatos no Facebook em seu apartamento no norte da Floresta Negra. Ela está furiosa, quer agir, mas seu computador está lento, talvez porque tenha muitos documentos e fotos salvos na área de trabalho.
Aos poucos, uma nova página se abre: um grupo no Facebook. Ela digita o nome Omas gegen Rechts (Vovós Contra a Direita) e envia um convite para todos os seus contatos. Mais tarde, o grupo ganharia milhares de membros.
Anna Ohnweiler, de 70 anos, disse que houve vários momentos em sua vida em que se sentiu “forçada a agir”. Momentos em que ela – uma ex-professora e diretora de uma instituição social em Baden-Württemberg – sentiu que precisava se manifestar.
Ela escreveu mais cartas e iniciou mais petições do que consegue se lembrar. Algumas delas foram parar no gabinete de Helmut Kohl quando ele era chanceler federal, outras mais recentes foram encaminhadas à atual chefe de governo, Angela Merkel, quando ela ainda encabeçava o Ministério da Mulher e da Juventude.
Nem sempre Ohnweiler obteve uma resposta, mas isso não importa, diz ela. Aposentada desde 2015, ela passa os dedos pelos cabelos curtos, escolhe bem as palavras e resume seu lema em alto e bom som: “Quem adormece numa democracia, acorda sob uma ditadura.”
Ela sabe do que está falando. Ohnweiler passou a juventude na Romênia neostalinista. Crítica e resistência eram atitudes impensáveis no comunismo, lembra, mas não na Alemanha democrática, felizmente. E assim ela seguiu seu lema quando fundou o grupo Vovós Contra a Direita no Facebook. Desta vez, porém, algo está diferente. Talvez pela primeira vez, sua forte fé na democracia esteja misturada com o medo.
Vovós e vovôs se rebelam
O cenário é a cidade de Nagold, em Baden-Württemberg, num apartamento de três quartos no sexto andar. Da varanda, vê-se a Floresta Negra. Na sala de estar, fora o tique-taque de um relógio, impera o silêncio. Com interiores da década de 1980, o tempo aqui parece ter parado: móveis de carvalho, tapetes com grandes ornamentos, vitrais coloridos nas janelas por onde entra a luz do sol. Nas prateleiras, livros sobre o Holocausto ao lado de coletâneas ilustradas sobre a região da Transilvânia, na Romênia. Nas paredes, há colagens de fotos mostrando seus dois filhos adultos e seus netos, de 5, 8 e 14 anos. “Vovó, eu te amo”, diz um cartão postal.
Entre as fotos de família dispostas numa mesinha, Ohnweiler politizou seu papel de avó. A iniciativa Vovós Contra a Direita, que já existia na Áustria, inspirou o grupo alemão de mesmo nome no Facebook, que hoje conta com mais de 2 mil membros. Em 2019, Ohnweiler fundou uma associação com outras “vovós”: lá também há “vovôs”, que atualmente respondem por cerca de um quinto do movimento.
O sentimento de revolta que move muitos “vovôs” e “vovós” nasceu em Ohnweiler naquele dia de janeiro de 2018. No Twitter, ela havia lido uma postagem de um membro do movimento identitário, de extrema direita. Baseado em Salzburg, o usuário reclamava dos aposentados que protestavam contra o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), uma sigla populista de direita. Ohnweiler se recorda das palavras usadas: “Quando você já está muito velho para ser útil à sociedade.”