A história arrepiante de um crime hediondo: assassinada três crianças por motivo de ordem religiosa
SOB AS ORDENS DE UM DEUS SANGUINÁRIO
Três inocentes e indefesas crianças, uma de três, outra de cinco e a terceira de sete anos de idade foram fria e barbaramente assassinadas no sertão paraibano há pouco mais de um mês por motivo e razões de ordens religiosas. Essas pobres vítimas não só sofreram a morte dramática e parcelada do verdadeiro sacrifício inquisitorial, como tiveram ainda os seus cadáveres sangrados e incinerados. Na convicção de que estavam sob a ordem do seu Deus sanguinário, os criminosos levaram às últimas consequências o seu tributo à divindade toda poderosa. Passado já mais de um mês, eles bendizem agora o seu gesto canibalesco, certos de que assim quis e ordenou o seu guia espiritual Gabriel Candido de Carvalho, “pai de santo” a quem prestam obediência e veneração. Não obstante as circunstâncias dramáticas de que se revestiu, esse inominável crime, cujo detalhes historiaremos em três reportagens, não alcançou até aqui a mínima repercussão na capital da república
FECHAR A CORRENTE COM SANGUE
Corre no Estado da Paraíba, pública e notoriamente, que as três crianças foram mortas por ordem do “pai de santo” Gabriel, que exigiu o sacrifício dos três inocentes para fechar o circulo da corrente religiosa que fundara na fazenda Mãe D’água, há 20 Km da cidade de Pombal, em homenagem a Santa Rita. Depois de matutar demoradamente sobre a ordem do chefe, os fanáticos deliberaram aproveitar a “chance” em desafogo de suas mágoas, pegando para vítimas as crianças Inez, José e Raimundo, filhos do sr. Ramiro Inocêncio Lopes, a quem odiavam por não haver se filiado à “Irmandade do Espirito da Luz”, apesar de morador da mesa Fazenda Mãe D’água.
MORTO UM FANÁTICO
Reagido ao ataque dos fanáticos (uma horda de 29 indivíduos armados de cacetes, foice, facas, pedras, etc.), os srs. Benigno e Pedro Inocêncio Lopes, irmãos dos pais das vítimas, abateram a golpe de arma a cabeça de um dos criminosos, Jose de Assis, tido e havido como o mais exaltado irmão dos “Espíritos da Luz”. Benigno, depois de haver morto o fanático, sem com isso ter evitado a morte das crianças, fugiu com o seu irmão Pedro sobre o alarido ensurdecedor dos assassinos, que a todo custo queriam submetê-los a igual sacrifício.
APANHAM AS MULHERES
Antes porém de assassinar as crianças, os fanáticos surraram as mulheres Maria das Dores da Conceição, que no momento lavavam roupas nas águas do rio Piancó, e posteriormente a Maria Francisca de Jesus, mãe dos menores Inez, Jose e Raimundo. Ambas eram tidas como hereges, acompanhadas de espírito mau, com a preocupação de carregar para o inferno todos os habitantes da fazenda Mãe D´água.
DETIDOS EM POMBAL
Encontram-se detidos na cadeia da c idade de Pombal, no Estado da Paraíba, os indivíduos apontados pelo assassinato das três crianças. Ate agora não deixaram transparecer o menor arrependimento, pois creem haver conquistado o seu ugar no céu, sacrificando ao seu Deus os três inocentes. A população paraibana, principalmente na cidade de Pombal, está tomada de viva indignação contra os facínoras, sendo necessários manter um pelotão de polícia em guarda no presídio, pois os criminosos sobre correm o risco de ser linchados pela sanha popular.
DESENCADEADO O BANHO DE SANGUE PELO FANATISMO RELIGIOSO
CACETES APRESENTANDO NO CABO CRUZES E SIGNOS DE SALOMÃO – ESPANTOSAS REVELAÇÕES
Depondo na Polícia de Pombal, cidade paraibana situada a 20 quilômetros do crime, o sr Gabriel Candido de Carvalho, pai de santo da “Irmandade dos Espíritos da Luz”, credo religioso fetichista que exibiu a sangria e incineração das três crianças, fez espantosas revelações sobre o procedimento dos seus adeptos. Nega que tenha mandado assassinar os três inocentes, e admite que os pais da vítima andam acompanhado de espíritos maus, que os obrigam a fazer mau ao próximo.
O PESSOAL FICOU DOIDO
Depois de declarar que e analfabeto, que seus pais e seus filhos são todos analfabetos, inclusive alguns loucos, Gabriel Cândido de Carvalho adiantou que chegara a fazenda Mãe D’água em abril de 1948, e que quatro dias após a sua chegada, o pessoal da terra começou a ficar doido. Endoideceu primeiro o sr. Jose de Assis (o fanático assassinado pelo tio das vítimas) e em seguida uma irmã deste, de nome Zulmira foi curada por ele, com um só olhar.
RECEBIA DINHEIRO
Respondendo uma pergunta do Promotor Público da Comarca, disse o “pai de santo” que desde há muito que reza para curar mordidas de cobras, constipação, ramo, etc. e por esse serviço não estipula preço, mas aceita o que lhe querem dar. Por intermédio do seu acólito, Florêncio Pereira da Silva recebia a paga das suas curas, não se lembrando a quanto montou o total dos recebimentos recebidos. Lembrava, todavia, que de uma vez foi-lhe entregue a quantia de 100 cruzeiros, que lhe mandava Maria Eugenia, devota sua. Também retinha em mãos o dinheiro que os adeptos da “Irmandade dos Espíritos da Luz” ofereciam aos santos da religião.
NO CACETE UM SIGNO
_ “Os homens e mulheres da seita – continua o sr. Gabriel Candido de Carvalho – por recomendação minha passaram a usar cacetes de angico, aroeira, jucá e de outros paus resistentes. Esses cacetes apresentavam no cabo cruzes e signos de Salomão, para que os seus portadores, assim guardados, pudessem se livrar dos maus espíritos e das feitiçarias dos inimigos. As reuniões da seita eram realizadas ora na casa de um dos adeptos, ora pelo taboleiros, para onde conduziam santos, rosários e cordões amarrados na cintura~.
PREDIZIA O INVERNO
Revelando as suas qualidades de demiurgo, o pai de santo afiançou que antecipava o futuro a seus devotos. Havia-lhes que este ano o inverno do Estado da Paraíba no dia 15 de fevereiro próximo passado. Tendo o dia que fez essa revelação até aquele do crime, não cessaram mais as romarias revelações a sua casa, prolongando-se muitas delas pela madrugada. Que nessas oportunidades ele aconselhava os romeiros a ficar lutando com a própria sombra de encontro a lua, até que esta se dobrasse no hemisfério para o ocidente. Nessa luta singular os fanáticos se utilizavam dos cacetes, que então tomavam o nome de “Espadim do anjo Gabriel“.
DESCONFIAVA DO COMPARSA
A certa altura do seu depoimento, o pai de santo confessou que por vezes tinha desconfiança do seu acólito Florêncio Pereira da Silva, pois que este costumava tomar deliberações sem consultá-lo previamente. Uma dessas providencias foi ter comprado um queijo na cidade de Pombal e, sob a alegação de haver bento o dito queijo, vendeu-o a peso de ouro aos habitantes da fazenda Mãe D’água. Em troca de cada fatia desse queijo miraculoso, o seu comparsa recebia joias, ouro, gado e dinheiro de cem cruzeiros para cima. Ele, ai de santo, não vira um níquel dessa barganha.
NÃO TERIA DEIXADO
Concluindo as suas declarações na polícia, o sr. Gabriel Candido de Carvalho esclareceu que o crime cometido por sua gente não teria sido perpetrado, caso tivesse sido consultado. Não gosta de Ramiro Inocêncio, nem de sua família, a quem considera amaldiçoados, mas não chegaria ao ponto de mandar assassiná-los. O sacrifício das vítimas inocente para fechar a corrente, do que falara aos devotos, seria um sacrifício simbólico e não real como entenderam e realizaram.
VIVE COM A RAINHA
A próxima reportagem, por sinal a última sobre esse caso, registrara a troca que o “pai de santo# fizera da sua legitima esposa por uma crioula de 17 anos, a quem fez reconhecer “rainha” do culto. Daremos, na íntegra, a opinião que sobre o rumoroso caso externaram para este jornal o juiz de direito da Comarca e faremos um ligeiro apanhado histórico dos habitantes da fazenda Mae D’água, negros racistas, que realizaram revivescência do Quilombo do Palmares no Sertão da Paraíba.
ARTIMANHAS ESPANTOSAS DO PAI DE SANTO PARAIBANO
DE MANSOS E PACÍFICOS À CRIMINOSOS EXALTADOS
Pai de santo da irmandade dos “Espíritos da Luz”, sr. Gabriel Candido de Carvalho, acusado de haver mandado sacrificar três crianças ao seu credo religioso, pelos habitantes da fazenda Mãe D’água, no município de Pombal, Estado da Paraíba, elegera, segundo depoimento dos seus cúmplices, ora encarcerados no presídio daquela cidade paraibana, fez reconhecer seu “anjo da guarda” a crioula Raimunda Maria da Conceição, uma menor de 17 anos. Os demais devotos tinham como ”Anjo da guarda” a própria esposa, ele porém, dada a idade avançada da excelentíssima, teve o direito excepcional para escolher o seu anjo a crioulinha, que segundo corre, não é feia.
REI E RAINHA
Justificando a sua preferência por Raimunda Maria da Conceição, o ”pai de santo!” declarou em reunião solene que ”para o rei somente a rainha”. Raimunda Maria da Conceição dado a seu fervor religioso havia merecido a escolha para ocupar o posto no trono da fazenda Mãe D’água, razão porque ele, atendendo a vontade de todos, não admitira que outra fosse o seu “anjo da guarda, nem sua mulher, velha demais para o ofício.
O TESTEMUNHO DO JUIZ
Por gentileza do sr. Pedro Queiroga, paraibano que exerce no momento o cargo de chefe de protocolo da Comissão Central de Preços nesta capital, obtivemos para este jornal por intermédio de uma sua irmã, escriva do fôro, na cidade de Pombal, o seguinte depoimento, escrito, do juiz da comarca daquela localidade.
“Verifica-se que Gabriel Cândido de Carvalho, aproveitando o fanatismo religioso latente e a ignorância reinante entre os habitantes do lugar Mãe D’água organizou ali uma seita, que denominava “Irmandade dos Espíritos da Luz”, por ele chefiada e tendo como acólito o individuo Florêncio Pereira da Silva.
Os membros da irmandade faziam constantes reuniões, quando se dava a prática do baixo espiritismo, rezavam orações e cantavam benditos. Incutia Gabriel que, com isso, afastaria os espíritos maus, baixados em Mãe D’água e curaria dois membros da seita, desequilibrados mentais. Aquele que não pertencesse ao grupo era acoimado de ateu e os seus irmãos andavam armados a cacete, em que esculpiam e gravavam uma cruz. Os cacetes chamados “espadinhas do anjo Gabriel” eram conduzindo a título de defesa contra as raposas e outros animais bravios. Gabriel exercia completo domínio sobre os adeptos, que o tinha como anjo ou santo, dalvam-lhe vivas e salvas de palmas, dinheiro e gêneros alimentícios. Entre os ateus se encontrava Ramiro Inocêncio Lopes, pai das crianças mortas e adversário, por questão de terras dos negros de Mãe D’água, todos fanático e exaltados. Com o espirito preparado contra seus adversários, em virtude de insinuações de Gabriel, um grupo de fanáticos, tendo à frente o louco José Assis no dia de janeiro último resolveu liquidar os ateus ou inimigos da seita, começando por agredir a mulher Maria das Dores da Conceição, que lava roupa no rio Piancó, e a quem esbordoaram bastante. Daí se dirigiu o bando à casa de Ramiro, espancando a mulher deste, Hermínia Maria da Conceição, e uma sobrinha, Maria Francisca de Jesus, culminando o atentado com o assassínio dos menores Inez, Jose e Raimundo, de 3, 5 e 7 anos de idade, respectivamente. Procurando socorrer seus parentes, chegam ao local do crime os irmãos Benigno e Pedro Inocêncio Lopes, contra os quais se virou a horda dos “iluminados”. Os atacados reagem e do encontro resulta a morte de Jose de Assis e ferimentos leves na pessoa de Benigno”.
ANTECEDENTES
Os habitantes da fazenda Mãe D’água, todos pretos, são conhecidos no Estado da Paraíba epqal alcunha de “Negros dos Pontões”. Não obstante, professarem racismo, pois na fazenda Mãe D’água e adjacências não admitem brancos, esse negros gozavam de bom conceito naquele Estado, até o dia que apareceu o indivíduo Gabriel Candido de Carvalho. Tido e havidos como laboriosos, não incomodavam ninguém, pois simplesmente não mantinha inyrecambio com quem quer que fosse.
MESCLA DE IRA E COMPAIXÃO
Em face dessa circunstância é que a opinião pública paraibana, até onde conseguimos saber, mantém em relação aos criminosos um estado de ânimo que se mescla e compaixão. Ao mesmo tempo que se exacerba e querem fazer justiça com as próprias mãos, num linchamento dos culpados, os paraibanos atenuam o seu ódio com a circunstância de serem todos eles ignorantes, presa fáceis do aventureiro Gabriel, contra o qual está voltada a indignação de toda a sociedade paraibana.
CRÉDITOS: Esta matéria é reprodução fiel de uma série de três reportagens que foram veiculadas no período entre os meses de março e de abril de 1949 pelos jornais Diário da Noite (Rio de Janeiro), O Dia (Curitiba/PR) e Jornal do Comercio (Manaus/AM).
FONTE: Portal da Biblioteca Nacional Digital.
Liberdade PB