Por 4 votos a 0, os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram mandar a júri popular acusados pela morte de 242 na boate Kiss. Os ministros deram provimento ao recurso do Ministério Público que trata do incêndio na boate Kiss, ocorrido em janeiro de 2013, em Santa Maria (RS), que vitimou 242 pessoas.
Durante o julgamento, os ministros entenderam que existia, no processo, evidências suficientes que configuram justa causa para enviar o caso para o Tribunal de Júri.
O relator do recurso é o ministro Rogério Schietti Cruz. Compõem, também, a Sexta Turma os ministros Nefi Cordeiro (presidente), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Antonio Saldanha Palheiro.
Em seu voto, Rogério Schietti Cruz afirmou que ‘a circunstância de a boate estar formalmente autorizada a funcionar, eventualmente, ter alvarás de funcionamento, laudos favoráveis, ter havido anos antes um Termo de Ajustamento de Conduta, não significa que no dia do evento essas condições fossem as mesmas’.
“Esses alvarás são concedidos e a dinâmica dos acontecimentos pode tornar essa avaliação ultrapassada. O fato é que se comprovou, isso está documentado nos autos, uma série de irregularidades no funcionamento desta boate, irregularidades graves para uma boate que recebe centenas de frequentadores”, registrou.
“Entendo ter havido indicação de evidência suficiente sobre o aventado dolo eventual nas condutas dos réus a autorizar sua submissão a julgamento pelo Tribunal do Júri.”
O voto do ministro durou cerca de 1 hora. “Voto para que os noticiados 242 homicídios consumados e os 636 tentados, considerada a compatibilidade entre dolo eventual e delitos tentados sejam julgados pelo conselho de sentença da Comarca de Santa Maria.”
O ministro Nefi Cordeiro afirmou que ‘o Tribunal do Júri é marca do sistema acusatório puro, o povo julgando seus pares’. “Neste processo, o Tribunal local admitiu fatos que admitem a revaloração jurídica nesta Corte quanto à existência de justa causa para o Júri”, disse.
“Realmente são fatos admitidos a concentração de grande número de pessoas em local com precárias condições de escarpe e com risco de propagação do fogo. O desenvolvimento nesta situação deixou com impróprio ato de pirotecnia, tudo sem treinamento específico dos funcionários e sem avisos imediatos quando do incidente.”
De acordo com o ministro, ‘estes fatos, admitidos, permitem reconhecer a colaboração dos acusados para a criação e ampliação dos riscos e que indícios existem da consciência do risco de morte e a assunção desse resultado, o dolo eventual de homicídio’.
“Caberá aos jurados definir se esta prova é ou não suficiente para caracterização do dolo eventual, mas existem indícios suficientes para admitir seu exame pelo colegiado popular”, decidiu.
“Apenas a certeza da inexistência do dolo, mesmo na categoria eventual, permitiria a exclusão do Júri, e os fatos admitidos não autorizam essa conclusão jurídica.”
Antonio Saldanha Palheiro, em seu voto, declarou que os ministros não estavam decidindo se havia dolo eventual e, sim, que ‘existem indícios que podem ser considerados para esta conclusão’. “O Tribunal do Júri é que vai assim decidir, se efetivamente ocorreu ou se não ocorreu e, então, desclassificar para o crime culposo”, afirmou.
A ministra Laurita Vaz, última a votar, registrou que o caso é uma ‘tragédia de terríveis consequências, de muita dor’. “Um caso que aguarda uma resposta firme do Poder Judiciário e, sobretudo, ao meu ver, do Tribunal popular”, declarou.
Entenda o caso
Dois empresários, responsáveis pelo funcionamento da casa noturna, e dois integrantes da banda que apresentou show pirotécnico na noite do incêndio foram denunciados por homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e emprego de meio cruel) por 242 vezes, e tentativa do mesmo crime por mais 636 vezes (número de sobreviventes identificados).
A 1.ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria entendeu haver indícios suficientes da materialidade do fato e possibilidade de percepção prévia do dano. Pronunciou os réus por homicídios consumados e tentados, determinando o julgamento pelo Tribunal do Júri.
Os réus recorreram e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por maioria, afastou da pronúncia as qualificadoras.
Houve embargos infringentes e o mesmo tribunal desclassificou os fatos para outros que não aqueles de competência do Tribunal do Júri. Segundo a decisão de segundo grau, o agir foi culposo e deve ser examinado por um juiz singular.
No STJ, o Ministério Público do Rio Grande do Sul e a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) questionaram a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e recorreram para que fosse reconhecida a competência do Tribunal do Júri, sustentando haver indícios suficientes do cometimento de crimes dolosos contra a vida.
Fonte: Estadão