O Palácio do Planalto não consultou os ministérios da Justiça e da Defesa antes de editar, na semana passada, quatro novos decretos que flexibilizam o porte de armas. Optou só por uma costura política com Legislativo e Judiciário. Ainda assim, ao lado de especialistas, parlamentares apontam inconstitucionalidade nas novas normas.
Em maio, o governo já não tinha esperado pareceres jurídicos da Justiça e da Defesa para assinar o decreto sobre o assunto, mas as pastas haviam participado das discussões. Desta vez, os ministérios tiveram suas análises dispensadas. As tratativas envolveram o Congresso num primeiro momento e, depois, houve reunião com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.
Desde janeiro, o governo já publicou sete textos sobre o tema e recuou várias vezes diante da dificuldade para obter apoio no Congresso e no Judiciário. Destes decretos, três estão em vigor, assinados pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
Ao Estado, a Casa Civil disse que, em sua avaliação, “não houve alteração normativa, conservando os textos anteriores”, o que tornaria a análise por parte dos ministérios setoriais “despicienda”, ou seja, irrelevante. Afirmou ainda que, como a coordenação política e as tratativas com os outros poderes estavam com a Casa Civil, a opção foi manter a questão nessa pasta.
As tratativas políticas começaram após sinalizações de que os parlamentares enterrariam os decretos. O Senado havia aprovado, na semana anterior, a derrubada dos textos de maio.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tinha alertado que os textos teriam o mesmo destino na Casa. O governo entendeu por bem editar novos decretos, com alguns recuos, e submeter um projeto de lei tratando do tema mais controverso, o porte de armas.
Costurado o acordo, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), André Mendonça, foi então acionado para evitar um “incêndio” na relação com o STF, que, dali a dois dias, julgaria ações sobre o tema e poderia impor nova derrota ao Planalto.
Havia receio de que os ministros entendessem que o Planalto estava “contornando” a Corte. O governo decidiu então adiantar a estratégia traçada para o Congresso a Toffoli, que acabou retirando os processos da pauta. Ao Estado, Mendonça afirmou que o órgão tem segurança sobre a constitucionalidade dos atuais decretos.
Arrumações. A Secretaria para Assuntos Jurídicos (SAJ) do governo, que internamente coordenou a elaboração dos decretos, protagoniza uma disputa histórica com a AGU em termos de influência sobre o presidente. Localizada dentro do Palácio do Planalto, tem comunicação mais próxima com o chefe do Executivo. No governo Michel Temer, por exemplo, se tornou pública a rivalidade entre a então ministra da AGU, Grace Mendonça, e Gustavo do Vale Rocha, que ocupava a subchefia de assuntos jurídicos.
Por anos subordinada à Casa Civil, a SAJ agora passará ao comando da Secretaria-Geral da Presidência por determinação de Bolsonaro. Desde a semana passada, o advogado Jorge Oliveira acumula as chefias de SAJ Secretaria-Geral.
A AGU entrou de fato na elaboração dos decretos de armas depois que o texto editado em maio começou a enfrentar problemas na Justiça e no Congresso. A forma como o órgão participou das discussões é resultado da própria natureza da AGU, cuja atuação é concentrada em proteger o governo quando seus atos vão parar na Justiça.
Segundo apurou o Estado, para além do contexto do decreto, a AGU tem ensaiado aproximação maior com o Planalto. Em comum acordo com a SAJ, a Advocacia-Geral da União deve começar a participar de modo mais efetivo na análise de vetos e sanções que saem da mesa de Bolsonaro.
Integrantes do Judiciário ouvidos pelo Estado entendem que a área jurídica do governo pode, de fato, melhorar. Os indicativos estão nos recuos envolvendo o decreto de armas, e na derrota imposta pelo STF quando a Corte invalidou parte do decreto que extingue conselhos federais. Um ministro do STF ouvido reservadamente criticou o fato de o governo “normalizar” a edição de atos “para reparar outros”, como fez no caso das armas.
Fonte: Estadão