A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investiga a tragédia de Brumadinho recomendou, nesta terça-feira (2/7), o indiciamento de 14 pessoas por homicídio por dolo eventual – quando se assume o risco de cometer o crime. Ao menos 246 pessoas morreram.
O relatório final da CPI, que acaba de ser aprovado, será agora encaminhado aos demais órgãos que estão investigando a tragédia de Brumadinho.
Entre os 14 nomes citados no documento, estão 12 funcionários da Vale e dois da empresa de auditoria Tuv Sud. A lista é encabeçada por Fábio Schvartsman, que era presidente da mineradora quando ocorreu a tragédia. O relatório da CPI também recomenda que Vale e Tuv Sud sejam indiciadas por crimes ambientais.
Segundo o relatório do senador Carlos Viana (PSD-MG), foram detectados sinais de que a barragem estava em risco antes do seu rompimento. Além disso, funcionários da Vale teriam interferido na produção de laudos de segurança – que deveriam ser conduzidos por empresas de auditoria independentes. Por último, o documento aponta que gerentes e diretores da Vale estavam cientes dos riscos.
Em 25 de janeiro deste ano, a barragem principal da mina Córrego do Feijão, da Vale, se rompeu, liberando 11,7 milhões de toneladas de rejeito de minério de ferro. A lama atingiu prédios administrativos da mineradora, o refeitório (era hora de almoço), um hotel e parte da zona rural de Brumadinho.
Ouviu testemunhas, analisou provas compartilhadas pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público de Minas Gerais, considerou o inquérito policial conduzido pela Polícia Federal e apreciou elementos encontrados em operações de busca e apreensão. No total, a CPI recebeu mais de 15 mil páginas e centenas de horas de filmagens das câmeras de segurança da barragem.
Até o momento, 246 vítimas foram identificadas e outras 24 continuam desaparecidas – a operação de buscas ainda está em curso. A maior parte era funcionário da Vale – próprios ou terceirizados.
A CPI do Senado é a primeira investigação oficial sobre a tragédia de Brumadinho a chegar a uma conclusão.
Por nota, a Vale disse que “respeitosamente discorda da sugestão de indiciamento de funcionários e executivos da companhia”. “A Vale considera fundamental que haja uma conclusão pericial, técnica e científica sobre as causas do rompimento da barragem B1 (a barragem principal, que se rompeu) antes que sejam apontadas responsabilidades”, continua.
A BBC News Brasil não localizou representantes da Tuv Sud para comentar o relatório da CPI até a publicação desta reportagem.
Provas analisadas apontam problemas prévios
O relatório final chegou a quatro conclusões a respeito do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.
Primeiro, diz o texto, houve deficiências tanto na construção como no alteamento (ou seja, ampliação) da barragem, especialmente em relação ao sistema de drenagem. Em junho de 2018, quando ocorreu a revisão periódica da barragem, nem a Vale nem a auditoria contratada encontraram a documentação das obras dos dez alteamentos, todos à montante, ocorridos desde a construção da barragem, em 1976.
Além disso, segundo o relatório da CPI, um consultor contratado pela Vale teria feito duas escavações simples na barragem, em junho de 2018, de onde teria saído água em profusão, “demonstrando que o sistema de drenagem era insuficiente ou não tinha a manutenção adequada”.
A segunda conclusão é que, no ano que antecedeu ao rompimento, teriam sido detectados sinais de que havia riscos à estabilidade da barragem. Uma delas teria ocorrido em junho de 2018, quando foi instalado um dreno horizontal profundo, gerando um “grave evento de fraturamento hidráulico”.
“No rompimento da barragem, as imagens de vídeo mostram um forte fluxo de água surgindo do mesmo ponto onde ocorreu o fraturamento hidráulico”, diz o resumo do relatório apresentado na CPI.
Outro problema é que, a partir de dezembro de 2018, um radar teria detectado “deformação positiva, gradual e constante na barragem”.
A terceira conclusão do relatório é que profissionais da Vale interferiram na produção e revisão de laudos de segurança feitos por empresas de auditorias, que deveriam ser independentes. Uma troca de e-mails demonstraria, por exemplo, que uma funcionária da Vale tinha acesso aos relatórios e alterava seu conteúdo, antes que fossem formalmente apresentados à Vale e à Agência Nacional de Mineração.
Por último, o relatório conclui que pessoas que ocupavam altos cargos na Vale estavam cientes dos riscos na barragem de Brumadinho e das medidas que seriam necessárias para aumentar sua segurança.
Uma das provas seria uma troca de e-mails entre gerentes e diretores da Vale, em que a “mensagem inicial destaca a necessidade de haver mais investigação e monitoramento da barragem, além de apontar medidas complementares para reduzir o risco atual”.
Fonte: BBC NEWS