O norte de Moçambique vive o auge de uma onda de violência que tomou a região nos últimos três anos, quando insurgentes islâmicos passaram a promover assassinatos, decapitações e sequestros de mulheres e crianças em vilarejos na província de Cabo Delgado, rica em rubi e gás natural.
Na aldeia de Muatide, por exemplo, jihadistas transformaram neste mês um campo de futebol em campo de execuções. Segundo fontes locais, os combatentes capturaram pessoas que tentavam fugir, levaram-nas para o local e mutilaram seus corpos.
Mais de 50 pessoas foram decapitadas ao longo de três dias de violência. Desde 2007, cerca de 2 mil pessoas foram mortas e mais de 430 mil ficaram desabrigadas no conflito na província de maioria muçulmana, religião de 1 em cada 5 moçambicanos.
A organização não governamental Anistia Internacional estima que mais de 350 mil pessoas correm o risco de passar fome na esteira da crise.
A entidade condena a violência do grupo al-Shabab, ligado ao Estado Islâmico (EI), mas também critica duramente o governo de Moçambique, acusando-o de combater a violência com atrocidades extrajudiciais, entre elas tortura e perseguição. O governo nega as acusações.
A presença do Estado moçambicano, aliás, está no centro do surgimento do grupo neste país de língua portuguesa (falada por 17% dos habitantes) que enfrenta até hoje as graves consequências da guerra civil encerrada em 1992.
Membros do al-Shabab, que também falam português em alguns vídeos de propaganda, têm se aproveitado da pobreza e do desemprego locais para recrutar jovens em sua luta a fim de estabelecer um domínio islâmico na região, enquanto muitos moradores dali reclamam que ficam alheios ao desenvolvimento econômico em torno das indústrias de gás e rubi.
Vídeos violentos e reveladores
Em abril, um vídeo filmado com um telefone celular em Muidumbe se tornou uma poderosa evidência de que um violento conflito na região mais ao norte de Moçambique agora está em campo aberto, de forma espetaculosa e alarmante.
Nas imagens, homens armados caminham calmamente pela grama alta, contornando um grande edifício branco, aparentemente não incomodados com o som de tiros ao fundo.
A maioria carrega fuzis automáticos e usa roupas que parecem uniformes do Exército moçambicano. Alguns tiros são disparados perto dali, e alguém grita como que em resposta: “Allahu Akbar” (Alá é grande).
Um segundo vídeo mostrava um homem morto, aparentemente um policial, deitado sobre uma poça de sangue. A câmera então revela outro cadáver e depois outros dois corpos e, finalmente, uma grande pilha de armas automáticas em um depósito militar.
Essa filmagem foi feita no porto estratégico de Mocímboa da Praia, que foi breve e dramaticamente tomada por militantes em março. Dois dias depois, eles tomaram outra cidade importante, Quissanga.
“Agora eles têm fuzis e veículos, se movem com facilidade e podem atacar em campo aberto. E usam uniformes de soldados, o que fazem com que as pessoas fiquem muito confusas e com muito medo”, disse à BBC o bispo católico de Pemba, Luiz Fernando Lisboa.
Esses ataques militares ambiciosos são a prova de uma mudança radical na estratégia do grupo conhecido localmente como al-Shabab (A Juventude ou Os Jovens, em árabe). Apesar do mesmo nome, ele não tem ligações conhecidas com o grupo al-Shabab na Somália, este afiliado à facção Al-Qaeda.
Nos últimos dois anos, o grupo jihadista moçambicano operou nas sombras, atacando vilarejos remotos em toda a província, fazendo emboscadas contra patrulhas do Exército em estradas isoladas e espalhando terror em comunidades rurais, forçando quase 200 mil pessoas a fugirem de suas casas.