O presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, está a salvo no cargo. Depois de uma semana de negociações, o Partido Colorado, que está no poder, concordou em bloquear no Congresso um pedido de impeachment feito pela oposição, resultado de um polêmico acordo energético assinado em maio com o Brasil. A ala dissidente dos colorados, liderada pelo ex-presidente Horacio Cartes, anunciou que não dará mais seus votos para um processo de revogação do mandato presidencial, apesar do vazamento à imprensa de mensagens que supostamente confirmam que Benítez sabia que o acordo com o Governo de Jair Bolsonaro era prejudicial ao Paraguai.
“Que nenhum colorado vote contra um dirigente colorado”, pediu nesta segunda-feira o senador Juan Carlos Galaverna, dirigente histórico do partido. Galaverna, hábil em negociações internas, exigiu a “reconciliação colorada” aos homens de Cartes, confrontados com a ala de Benítez desde as eleições internas de 2017 para escolher o candidato à presidência. A blindagem do presidente pôs fim à primeira crise de um Governo que completa um ano na próxima semana.
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Os problemas de Benítez começaram no final de julho, quando se soube que havia assinado em segredo um novo esquema para a partilha da eletricidade excedente gerada pela hidrelétrica binacional Itaipu, a segunda maior do planeta. As ditaduras dos dois países construíram Itaipu no início dos anos setenta e desde então o Paraguai tenta mudar um contrato de uso compartilhado que considera injusto. Cerca de 90% da eletricidade gerada pela usina vai para o Brasil e o Paraguai cobra pelos 40% que cede ao parceiro um valor fixo que está abaixo do preço de mercado. O modelo de partilha foi baseado no princípio de que o Brasil colocou o dinheiro para a barragem e o Paraguai o território inundável. As condições devem ser renegociadas em 2023, daí a sensibilidade política do acordo assinado entre Benítez e Bolsonaro.
O acordo estabelece um preço mais alto para a compra do excedente de geração de eletricidade que o Paraguai desfrutava e que poderia ser vendido a terceiros países. A oposição calculou o excedente anual em cerca de 250 milhões de dólares (cerca de 990 milhões de reais) e acusou Benítez de vendepatria. O sigilo com o qual o acordo foi negociado foi considerado prova de que algo não estava certo na letra do acordo e o Partido Liberal, rival histórico dos colorados, pediu o impeachment. Abdo disse então que desconhecia os detalhes do acordo porque tinha deixado o assunto nas mãos do Ministério das Relações Exteriores. O escândalo custou o cargo ao ministro das Relações Exteriores, Luis Castiglioni, ao diretor paraguaio de Itaipu e ao embaixador no Brasil.
O jornal ABC Color, no entanto, publicou em sua primeira página na segunda-feira supostos chats privados que mostram que o presidente sabia o que estava sendo negociado em Brasília sobre Itaipu. Nos textos do WhatsApp, Benítez pede ao diretor da Administração Nacional de Eletricidade (ANDE), Pedro Ferreira, que mantenha reserva sobre os detalhes do acordo e admite que “não se pode ganhar em tudo em uma negociação”. “Pedro, apresse a solução ANDE Eletrobras. Está tudo parado. Temos que movimentar a economia, Itaipu é uma ferramenta”, afirmou, diante da advertência de Ferreira de que as propostas brasileiras significavam um custo excedente para o Paraguai. “As pessoas observam e criticam. Se houver diferenças, não podem ser em público”, disse o presidente a Ferreira dias depois, atento a possíveis vazamentos para a imprensa.
A oposição de Ferreira ao acordo foi o que finalmente fez explodir a bomba política. O funcionário renunciou ao cargo alegando que queriam obrigá-lo a assinar algo que não convinha ao Paraguai. Seu gesto jogou luz sobre o acordo secreto com o Brasil e despertou uma onda de solidariedade patriótica que se voltou contra o Executivo. A crise, finalmente, não tomou maiores proporções. O partido Colorado cerrou fileiras em torno de seu líder e o salvou do impeachment.
Fonte: El País