O projeto de lei que autoriza a privatização dos Correios, o PL 591/2021, foi aprovado, ontem (5/8), pela Câmara dos Deputados, por 286 votos favoráveis e 173 contra. A matéria segue para ser avaliada pelo Senado Federal e, se houver alterações no texto principal, retornará para a Câmara para uma nova votação.
A oposição tentou adiar a votação do substitutivo do relator, deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), mas não teve sucesso. Os requerimentos para a retirada da matéria da pauta e para o adiamento da votação foram rejeitados pela maioria, liderada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que presidiu a sessão.
O discurso da oposição de que o serviço postal é estratégico para o país e de que o cidadão vai pagar mais caro pelo serviço postal privado, que não terá interesse de operar em áreas distantes e menos rentáveis, não convenceu a maioria dos parlamentares. Todos os destaques que pretendiam alterar o texto do projeto foram rejeitados.
No texto do substitutivo, o relator afirmou que um dos motivos para a privatização dos Correios é que a estatal não presta um serviço de qualidade. Parlamentares governistas não perderam a oportunidade de apontar os Correios como centro de corrupção dos governos do PT.
“Apesar da estrutura organizacional existente, do ponto de vista da qualidade dos serviços postais, a ECT (Empresa de Correios e Telégrafos) não tem tido uma boa performance, e vem perdendo a aprovação do povo brasileiro. Na verdade, a empresa carece de agilidade, de eficiência, de investimentos e de um planejamento de futuro”, afirmou o relator. “Os números contábeis, financeiros e de efetividade na prestação de serviço demonstram que os Correios brasileiros perderam o viço e não conseguiram se modernizar diante dos desafios da revolução tecnológica que estamos vivendo”, acrescentou.
Universalização
O projeto abre espaço para as empresas privadas prestarem o serviço postal, sob a regulamentação da Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), que será transformada em Agência Nacional de Telecomunicações e Serviços Postais e ficará encarregada de assegurar o cumprimento das metas de universalização e de qualidade, além dos critérios de modicidade de tarifas e continuidade dos serviços.
Na avaliação da economista e advogada Elena Landau, que foi responsável pelo processo de privatização no governo Fernando Henrique Cardoso, o avanço no processo de privatização dos Correios é positivo, mas disse que o governo deverá arrecadar muito pouco com a venda da estatal. “O passivo é muito grande”, alertou.
Conforme dados financeiros dos Correios de 2020 o patrimônio líquido da estatal era de R$ 949,7 milhões e apenas o passivo não circulante somava R$ 8,864 bilhões. Nos últimos 20 anos, a companhia registrou prejuízo em quatro: entre 2013 e 2016, coincidindo com a recessão anterior à pandemia da covid-19. No ano passado, o lucro líquido foi de R$ 1,676 bilhão.
Representantes dos funcionários dos Correios e parlamentares da oposição apostam nas conversas com senadores e na ação que corre no Supremo Tribunal Federal (STF), que tenta barrar a privatização. Os trabalhadores não descartam uma greve.
Grita contra reforma do IR
As mobilizações contra o projeto da reforma tributária que altera o Imposto de Renda ganharam mais adeptos. Ontem, 52 entidades divulgaram um manifesto em que pedem o arquivamento por “não atender aos interesses econômicos e sociais do país”. O documento é assinado por associações da indústria, comércio, entidades ligadas à advocacia, entre outras, com destaque para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), representada pelo presidente da associação, Felipe Santa Cruz.
No documento, os signatários alegam que houve diversas reuniões com o relator do PL 2.337, Celso Sabino (PSDB-PA) para demonstrar que as mudanças propostas trarão “enorme recessão para a economia brasileira”, com aumento de carga tributária — o que, segundo eles, não pode ser aceito em um momento de “intensa crise”. O manifesto de ontem apresentou quase o dobro de adesões que sua primeira versão, divulgada quando da apresentação da primeira versão do relatório. Eram 22 as entidades que participavam do primeiro movimento.
O projeto também tem sido criticado por outras associações diretamente afetadas pela reforma, que afirmam que o projeto deveria ser amplamente debatido antes de ser aprovado e discordam da tramitação em regime de urgência. Ontem, a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) emitiu uma nota contra a aprovação do PL 2.337/21.
Para eles, o tema é de “extrema relevância para as contas públicas de todos os entes federativos”, mas a retirada de recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), prevista no texto relatado pelo deputado Celso Sabino (PSDB-PA), “impacta significativamente as receitas dos municípios”, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do país.
A entidade disse entender a necessidade da reforma, mas frisou que o tema precisa ser amplamente debatido. A nota diz, ainda, que aprovar o projeto em regime de urgência “é uma temeridade”. “Se o texto for aprovado como está, os municípios sofrerão ainda mais para reorganizar suas contas, já tão impactadas com a crise financeira causada pela pandemia da covid-19”, completou a Abrasf.
A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM) também reagiu, e disse que o país precisa de uma reforma tributária ampla, com revisão de encargos trabalhistas, tributação de lucros e dividendos e redução de tributação sobre faturamento de empresas. A associação defende que o setor de mineração deveria ser tratado de forma semelhante a outras empresas e não com aumento de carga tributária, como quer Sabino.
Especialistas: PEC é inconstitucional
A proposta de emenda à Constituição (PEC) que pretende autorizar a União a adiar por até 10 anos o pagamento de precatórios judiciais, defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, azedou o clima do governo com o mercado financeiro. Para especialistas da área jurídica, a medida é inconstitucional e será barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) se for aprovada pelo Congresso.
Ao tentar mudar a Constituição para permitir uma espécie de calote da União, o governo vai gerar instabilidade jurídica e uma onda de desconfiança de investidores, de acordo com os analistas. “O governo quer mexer em uma cláusula pétrea. Isso é inconstitucional”, alertou Eduardo Gouvea, presidente da Comissão Especial de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Qualquer um que tiver uma dívida na Justiça também vai se sentir no direito de parcelar”, destacou.
Outro consenso entre os especialistas é de que a PEC só vai piorar a imagem do governo como mau pagador. Gouvea lembrou que uma tentativa não tão ousada já foi rejeitada pelo STF, em 2015, e ressaltou que a aprovação da PEC teria um impacto extremamente negativo na dívida pública mobiliária. “O país vai perder credibilidade e as taxas de juros ficarão mais altas ainda. Além disso, haverá fuga de capitais, porque ninguém vai ter interesse em investir em um país que muda as regras dessa forma”, disse.
O jurista Ives Gandra Martins também alertou para os riscos da PEC. “Prejudica a imagem do governo e do Brasil e é um calote que, se o contribuinte der, pode ser encarcerado”, frisou. Na avaliação da economista e advogada Elena Landau, que coordenou o programa de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, a proposta “é um absurdo”. “É oficializar o calote na Constituição”, afirmou.
Risco do teto
A PEC dos precatórios foi a forma que Guedes encontrou para buscar recursos para ampliar o Bolsa Família do jeito que Bolsonaro quer para pavimentar o caminho da reeleição em 2022. A proposta ainda deve criar um fundo com recursos de privatizações de estatais para custear despesas fora do teto de gastos, na contramão dos manuais de responsabilidade fiscal.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, divulgou documento, ontem, alertando sobre a inconstitucionalidade da PEC. Segundo a entidade, o teto de gastos estará em xeque, assim como a credibilidade do governo ao adotar medidas de contabilidade criativa, como fez a ex-presidente Dilma Rousseff.
“Se o parcelamento cogitado avançar, o teto será formalmente preservado, com garantias constitucionais, mas a regra sofrerá um golpe importante. Não serão raros os questionamentos a respeito de novas possibilidades de mudanças para comportar outros eventos que viessem a acometer as contas públicas no futuro”, alertou o comunicado. (RH)
Fonte: Correio Braziliense