Um julgamento marcado para o próximo dia 30 no Supremo Tribunal Federal está opondo pais de alunos e órgãos públicos.
A controvérsia envolve a possibilidade de os pais tirarem os filhos da escola para ensiná-los em casa, prática chamada de educação domiciliar.
Na Corte, os ministros vão decidir se essa forma de ensino, conhecida internacionalmente como “homeschooling” e mais comum nos Estados Unidos, passa pelo crivo da Constituição.
No artigo 205, a Carta trata a educação como um “direito de todos e dever do Estado e da família”, a ser “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”.
O objetivo, segundo a Constituição, é o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
A ação a ser julgada no STF surgiu em 2012, quando uma estudante de Canela (RS), à época com 11 anos, pediu ao juiz da cidade, com apoio dos pais, o direito de ser educada em casa.
O objetivo era derrubar decisão da Secretaria Municipal de Educação que orientava os pais a matricularem a menina, com compromisso de frequentar a escola.
Até 2011, ela havia estudado numa escola pública da cidade, mas queria cursar o ensino médio com ajuda dos pais em casa. Motivo: a escola juntava na mesma classe alunos de idades e séries diferentes.
Os colegas mais velhos, diziam os pais, tinham sexualidade avançada e falavam palavrões, o que, para eles, não refletia um critério ideal de convivência e socialização.
Os pais também discordavam de algumas “imposições pedagógicas” da escola, como o ensino do evolucionismo – a família é cristã, acredita no criacionismo e, diz a ação, “não aceita viável ou crível que os homens tenham evoluído de um macaco”.
O juiz da comarca negou o pedido. Argumentou que “o convívio em sociedade implica respeitar as diferenças” e que a escola é o primeiro lugar em que a criança se vê diante disso, no contato com colegas de diferentes “religiões, cor, preferência musical, até de nacionalidades distintas, etc”. “O mundo não é feito de iguais”, escreveu o juiz na sentença.
A decisão foi mantida na segunda instância da Justiça pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
A família recorreu ao Supremo Tribunal Federal e, em 2016, o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu todas as decisões judiciais que impediam pais de educarem os filhos em casa até a uma posição final do STF sobre o assunto.
A solução a ser adotada pelo Supremo – com proibição ou permissão, com ou sem parâmetros mínimos para a prática do “homeschooling” no Brasil – valerá para todos os casos.
Pelas estatísticas do STF, existem ao menos 40 ações paradas no país, principalmente na região Sul, aguardando uma definição.
A Associação Nacional de Educação Familiar, que reúne pais e ativistas da causa, estima em ao menos 5 mil o número de famílias que ensinam cerca de 10 mil estudantes em casa – a expectativa delas é que a decisão do STF traga segurança jurídica e evite processos judiciais como no caso de Canela.
A rigor, um julgamento no STF sobre a constitucionalidade do “homeschooling” não pode detalhar como o método pode ser aplicado, tarefa que caberia ao Congresso, na aprovação de lei. Há, porém, a possibilidade de a Corte estabelecer condições mínimas para a prática.
Na Câmara, há três propostas que tramitam em conjunto para regulamentar a educação domiciliar.
Um projeto permite que os pais ensinem os filhos em casa, mas os obriga a matriculá-los na escola para que sejam avaliados em exames periodicamente e tenham o aprendizado inspecionado no ambiente em que estudam.
As discussões se arrastam desde 2012, mas ainda não há previsão de aprovação final pela Casa nem de remessa do texto ao Senado para votação.
Professora da Faculdade de Educação na Unicamp e com doutorado no tema, Luciane Barbosa considera a regulamentação “absolutamente necessária”, mas um grande desafio.
Para ela, a desigualdade social e econômica do país faz com a escola seja a principal ou única forma de acesso à educação da maior parte da população.
Fonte: G1