Direção de Inteligência Nacional. Nem o dano à credibilidade de seus agentes. Alegando um “significativo interesse público”, o presidente Donald Trump abriu uma crise institucional nesta sexta-feira ao quebrar o sigilo do relatório que acusa o FBI e o Departamento de Justiça de terem agido como um submarino dos democratas e manipulado informações para prosseguir na investigação da chamada trama russa. O documento, elaborado por membros republicanos do Comitê de Inteligência da Câmara de Representantes (deputados), enquadra-se na contraofensiva de Trump para solapar uma investigação que já pisa nos seus calcanhares.
A manobra tem um objetivo político. O próprio Trump, em um tuíte matinal, acusou a cúpula do FBI e do Departamento de Justiça de terem “politizado o sagrado processo inquiridor em favor dos democratas e contra os republicanos”. Na mira dessa descompostura figura o diretor do FBI, Christopher A. Wray, escolhido pelo presidente depois da destituição fulminante de seu antecessor, que havia se recusado a arquivar o caso. E também o número dois do Departamento de Justiça, Rod Rosenstein, encarregado de fiscalizar a investigação e artífice da nomeação do promotor especial Robert Mueller. Ambos demonstraram sua capacidade de resistir às pressões, e ambos viram o cerco ao seu redor crescer. Uma tensão que ainda nesta semana acabou com a carreira do subdiretor do FBI Andrew McCabe, também acusado pelo presidente e pelos republicanos de trabalhar para os democratas.
The top Leadership and Investigators of the FBI and the Justice Department have politicized the sacred investigative process in favor of Democrats and against Republicans – something which would have been unthinkable just a short fraude ago. Rank & File are great people!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) 2 de fevereiro de 2018
Esse é um tiro na curta distância. Num horizonte mais amplo, o presidente procura, antecipando-se a uma eventual convocação de Mueller, demonstrar que é vítima de uma caça às bruxas. Para isso, o relatório lhe oferece excelentes argumentos. Durante meses, os congressistas colheram depoimentos dos investigadores e envolvidos na trama russa e tiveram acesso a todo tipo de documentos confidenciais.
O resultado é um texto, de três páginas e meia, que estabelece que em outubro de 2016, um mês antes das eleições vencidas por Trump e ainda sob o mandato do democrata Barack Obama, o FBI e o Departamento de Justiça ocultaram dados básicos de um juiz para obter uma ordem que lhes permitisse espionar o milionário Carter Page, um dos assessores de campanha de Trump. Os investigadores, segundo essa versão, não lhe comunicaram que a informação que os levava a suspeitar de Page procedia do explosivo relatório Steel, um dossiê altamente radiativo elaborado por um ex-agente do MI6 (serviço secreto britânico), mas baseado em fontes não validadas, e que além disso havia sido encomendado por um advogado da equipe eleitoral de Hillary Clinton. O juiz autorizou e, na primavera boreal de 2017, com o magnata já instalado na Casa Branca, a ordem foi renovada com o aval de altos funcionários do Departamento de Justiça e do FBI. A prevaricação, segundo os republicanos, perpetuou-se.
Esta versão foi respondida pelo FBI. O próprio diretor da agência, num gesto insólito, alertou publicamente que “o documento apresenta omissões factuais que afetam sua veracidade”. Não é esse o único motivo de queixa. Os serviços de inteligência afirmam que o relatório pode colocar em perigo a segurança nacional norte-americana, por revelar fontes e métodos de coleta de dados, mas, sobretudo, denunciam que ele rompe a confidencialidade de quem vai à comissão e depõe entendendo se tratar de um ato secreto.
Outro argumento contra o relatório é que ele estaria dando ênfase excessiva a um aspecto menor do caso. E que nem sequer é novidade. O protagonista das escutas, Carter Page, já estava sendo observado pelo FBI em 2013, quando o serviço secreto russo tentou recrutá-lo. Nesse sentido, a solicitação ao juiz para espioná-lo tampouco contamina o resto das investigações, nem representa seu início. Estas começaram depois que, em julho de 2016, um assessor de campanha republicano, George Papadopoulos, se gabou para um diplomata australiano em um pub londrino de que Moscou tinha “lixo” contra Clinton. “O relatório não tem nada a ver com a verdade e a responsabilidade. Mas bem parece propaganda de quem está aterrorizado com a investigação russa e determinado a descarrilá-la por qualquer meio”, afirmou o The New York Times em editorial. “Se o relatório for usado como argumento para destituir o promotor especial, Rosenstein ou outros encarregados da investigação, entenderemos isso como obstrução à Justiça”, advertiram os líderes democratas em uma carta. “Deixemos que as pessoas decidam”, afirmou o presidente do Comitê de Inteligência, o republicano Devin Nunes.
O avanço de Mueller sobre a Casa Branca é um fator determinante para essas reações. A cada dia é mais evidente que seu objetivo é intimar Trump a depor, e que o encarregado de fiscalizar a investigação, Rod Rosenstein, não irá se opor a um passo tão relevante. Trump já demonstrou publicamente sua disposição de prestar depoimento e inclusive responder presencialmente. Mas teme-se na Casa Branca que um comparecimento desse tipo possa causar danos políticos graves num ano de eleições legislativas (renovação de toda a Câmara de Representantes e um terço do Senado).
A investigação de Mueller, que começou depois da destituição do diretor do FBI, em maio, prossegue a portas fechadas. Pouco se sabe sobre a munição que o promotor especial e seus 17 superagentes guardam consigo. Os dados já revelados procedem das quatro imputações tornadas públicas: contra o ex-assessor de segurança Michael Flynn, o ex-chefe de campanha Paul Manafort, seu sócio Rick Gates e o assessor eleitoral George Papadopoulos. Os autos de acusação deixaram entrever que a meta original das investigações — determinar se a equipe eleitoral de Trump se coordenou com o Kremlin durante a campanha de difamação contra Clinton — já foi superada, e que o trabalho se centra agora nas tramas financeiras. O ponto fraco de Trump.
LiberdadePB-Ana Paula Leite
Fonte: El País