A defesa da vida é um dos principais fundamentos da Bíblia Sagrada. Jesus se coloca explicitamente como aquele que veio “para que todos tenham vida e vida em abundância”. Só no primeiro livro da Bíblia (Gênesis), Deus nos adverte quarenta vezes para defendermos a vida. No evangelho de João há outras quarenta e duas passagens em que Jesus defende a vida; na primeira Epístola de João, vinte e uma vezes; no Apocalipse, vinte vezes.
Nos dias atuais, como não poderia ser diferente, a Igreja assume claramente a luta pela vida, num instante em que viver – e viver em abundância – tem se tornado um grande desafio para muitos e uma “dádiva” de uns poucos. Um breve olhar sobre a situação social do Brasil mostra quão profundamente a desigualdade está incrustada no nosso sistema, castrando a cidadania e estigmatizando uma grande parcela da nossa gente. A vida com dignidade, a vida em sua plenitude vem sendo tolhida, transformando as relações entre pessoas em relações entre coisas, à falta de políticas sociais básicas delimita os “incluídos e os excluídos”. Algumas estatísticas apresentadas por entidades como a Anistia Internacional e os próprios órgãos governamentais ilustram as desigualdades e a violência sistemática que nos atinge. A fome, a concentração de renda e terras, os meninos e meninas de rua, a violência histórica, a crise na saúde pública e na educação e a discriminação racial são capítulos a serem superados na busca mais elementar de uma saudável harmonia e paz social.
Em que pese o brotar de algumas medidas tímidas e meramente paliativas, avalia-se que hoje cerca de milhões de brasileiros não se alimentam com as normas calóricas mínimas, vivendo em permanente subdesnutrição. A taxa de mortalidade infantil ainda é grande para os “parâmetros aceitáveis” – como se pudesse haver algum parâmetro “aceitável” para se medir o número de mortes infantis.
As estatísticas brasileiras ainda apontam que dos 48 milhões de crianças que conseguem sobreviver, 25 milhões vivem em estado de pobreza e 13 milhões na miséria absoluta.
Por outro lado, a matança sistemática de meninos e meninas de rua é outra expressão alarmante da degradação dos direitos humanos, o seu perfil é de criança abandonada, mendiga, faminta, que acorda na laje fria de cimento, candidato a assassino, estuprador, bandido. Nascem sem direito nenhum. Estão na rua por condição imposta, para assegurar sua sobrevivência!
A nossa realidade continua mostrando que nossa pretensa paz e harmonia racial não passam de mera ficção e que não são decretos que vão regulamentá-los. A violência racial, outra forma de destruição da vida, age de modo sutil, através da reprodução da desigualdade entre grupos étnicos, e no campo da educação, se manifesta nos índices de analfabetismo: 13% de brancos e 29% de negros. No campo acadêmico, atingem o nível universitário 7,8% dos brancos e apenas 0,9% dos negros.
A morte cultural é outro aspecto que traz inquietação a sociedade e incertezas para o futuro do país. A dificuldade ao acesso à leitura é um grande entrave, considerando que no Brasil, um país de dimensões continentais, há apenas 7 mil bibliotecas.
A criação de cotas nas universidades para negros é apenas mais um atestado da combalida e frágil relação racial vivida por todos nós e pela estrutura estatal. Fruto de um passado não muito distante de escravidão e preconceito.
O mais grave é que este sistema se reproduz em todos os espaços e todas as relações sociais. As pessoas são formadas para amoldar-se ao sistema que está aí, ignorando ou negando os conflitos, desigualdades e diferenças.
A nossa própria estrutura social, portanto, gera as desigualdades e as violências, expondo os excluídos como “doenças sociais” e se imunizando nas suas próprias individualidades.
É preciso repensar a nossa vida, a minha, a sua, a de todos! É preciso redirecionar a nossa paz um pouco mais além de nós e empreendermos ações pela vida e pela justiça moral e social.
Ao firmamos o nosso compromisso com o outro, estaremos lutando pela vida, e vida em plenitude! Ao lutarmos pela vida estaremos firmando o nosso compromisso com Deus, com o nosso próximo e com o nosso país.
É preciso mudar, é preciso fazer! Ignorar isso tudo, fechado em nosso casulo interior, é não pensar na vida e atar-se à morte!
Teófilo Júnior