Em épocas pretéritas, quando as grandes e sonhadas barragens ainda não haviam perenizado importante rios sertanejos, antes intermitentes, para suplício das populações interioranas nordestinas, o nobre e valente jumento serviu impecavelmente, de forma enfática, para o transporte do precioso líquido para as residências urbanas e rurais espalhadas pelas adustas veredas da terra do sol.
Enquanto o irmão burro era usado para o transporte da produção sertaneja a fim de ser comercializada em praças econômicas importantes, o jumento, nosso irmão, sem reclamar, sem nenhuma ação de desagrado, era vistosamente adornado, penteado com orgulho pelos seus donos, sobre o qual colocavam pesadas ancoretas fabricadas de forma artesanal, as quis eram cheias de água e tomavam o rumo dos compradores certos que imprescindiam da grande Dádiva Divina que viabiliza a vida e sua continuidade, sendo utilizada para diversos fins, exigências do cotidiano marcado pela carência hídrica em uma região-desafio, a qual notavelmente caracteriza-se como verdadeira civilização da seca.
Nesse tempo que suscita, indubitavelmente, nostalgia, pois o respeito ao jumento era louvável, o simpático eqüino reinava absoluto, pois as tarefas que atribuíam-no eram inúmeras, havendo dependência direta do trabalho gratuito do jumento para o sucesso da própria esfera sócio-econômica.
Não havia nenhuma atividade doméstica antes da chegada dos colocadores de água, pois donas-de-casa necessitavam de água para harmonizar os lares, preparar refeições, aguar plantas que cultivavam ao redor das residências, etc.
Era o jumento quem marcava também o passar das horas, com seu relincho inconfundível, registrando que o compassar lento do tempo na região era marcado pelo seu sensor natural.
Ainda necessita-se do trabalho do jumento no transporte de água em inúmeras áreas carentes e desassistidas, espalhadas pelo interior nordestino, bem como em espaços relativamente distantes, como no médio vale do Jequitinhonha, norte de Minas, região bem parecida com o sertão valente e castigado pelas secas, decantado com insistência por Luiz Gonzaga, através de sua sublime arte.
Inspirado na luta gloriosa declarada pelo Padre Antônio Vieira em prol da redenção do jumento, o grande “Lua” imortalizou de forma extraordinária a importância do heróico asinino na histórica luta pelo desenvolvimento do Nordeste Brasileiro.
Atualmente, em grande proporção, há vertiginosos e injustificáveis desprezo e abandono pelo animal ao qual Luiz Gonzaga elevou à categoria de animal sagrado, patriota e o maior amigo do sertão.
Soltos pelas estradas, vítima do desordenado tráfego de veículos leves e pesados, os quais substituíram muito o trabalho por ele desempenhado no passado, representando também ameaça às vidas de passageiros e condutores, o jumento só é ainda bastante valorizado aonde a modernidade não vem beneficiando a população que depende muito do trabalho desempenhado pelo jumento, nosso irmão.
José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Escritor. Professor-Adjunto do Departamento de Geografia (DGE) da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (FAFIC) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Membro do ICOP (Instituto Cultural do Oeste Potiguar), SBEC (Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço) e da ASCRIM (Associação dos Escritores Mossoroenses). Diretor de Acervos da ASCRIM (Associação dos Escritores Mossoroenses) (Biênio 2017-2018).