A sequência de declarações de Jair Bolsonaro nos últimos dias levou apreensão a alguns de seus auxiliares mais próximos e motivou uma reunião de emergência no Palácio do Planalto na manhã desta terça-feira, 30. Na avaliação do grupo, que inclui integrantes da ala militar do governo, o presidente elevou em demasia o tom de suas falas, o que vem prejudicando sua gestão.
Enquanto ele provoca dando declarações desencontradas sobre a morte do pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz,na ditadura militar, põe em dúvida relato de indígenas acerca de ataque de garimpeiros no Amapá e evita lamentar o massacre em Altamira, o governo perde a chance de divulgar pautas positivas, de acordo com integrantes desse grupo.
Nesta terça, Bolsonaro voltou a causar polêmica ao questionar a veracidade de documentos oficiais que apontam a morte de Fernando de Santa Cruz, pai de Felipe, como vítima da ditadura. “A questão de 1964, não existem documentos se matou, não matou, isso aí é balela”, disse.
De acordo com uma fonte a par da conversa, “coisas boas”, como a liberação do FGTS ou a descoberta do hacker que invadiu o celular de autoridades, acabam “se perdendo em polêmicas” logo depois diante do “destempero” presidencial.
Uma das razões da reunião foi justamente tentar entender o que está por trás do comportamento de Bolsonaro. Muitos deles admitem que têm sido pegos de surpresa pelas declarações controversas do presidente.
Dois diagnósticos foram feitos. O primeiro é que a equipe presidencial errou ao deixar Bolsonaro muito exposto a jornalistas durante eventos nos últimos dias. A intenção é reduzir parte das interações, limitando, assim, as oportunidades de ele alimentar novas polêmicas.
A segunda avaliação é de que integrantes da chamada ala ideológica têm conseguido influenciar o presidente de forma mais assertiva. Não está claro para o grupo quem são os mais “ativos” nessa empreitada, embora “suspeitas” recaiam sobre aliados encarregados de sua comunicação digital, área de influência de Carlos Bolsonaro.
Uma das leituras feitas é de que essa tentativa de inflamar o discurso do presidente decorre de uma reação à chegada ao Planalto de assessores batizados internamente de “agentes contemporizadores”: Jorge Oliveira, ministro da Secretaria-Geral da Presidência; Fabio Wajngarten, chefe da Secretaria de Comunicação; e o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo.
O trio adota discurso moderado e tenta fazer pontes com a imprensa. Ramos tem histórico de bom relacionamento com jornalistas e Wajngarten teve encontro recente com a cúpula das Organizações Globo.
Um auxiliar presidencial lembra que, apesar do aparente “arroubo”, as declarações feitas por Bolsonaro constam de seu repertório. O ex-deputado é conhecido por defender o período militar e a tortura contra militantes de esquerda.
Segundo alguns destes aliados, Bolsonaro moderou o tom durante semanas cruciais para a tramitação da reforma da Previdência justamente atendendo a pedido de aliados. Durante o recesso parlamentar, no entanto, ele voltou às polêmicas.
Além de “blindar” Bolsonaro do contato com a imprensa, o grupo acredita que o retorno do filho mais velho ao Brasil, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), possa ajudar a amainar os ânimos. Ele tem um perfil mais moderado em relação aos irmãos e já foi comunicado sobre a crise.
Repercussão. Além de ofuscar feitos do governo, a nova crise alarmou ministros pelo potencial de desgaste na imagem do presidente. Desde o anúncio sobre aindicação de Eduardo Bolsonaro à embaixada do Brasil nos Estados Unidos, a militância pró-governo tem encontrado dificuldade para reverter aumento de menções negativas nas redes sociais de Bolsonaro, avaliou Sergio Denicoli, diretor da AP/Exata, especializada em monitoramente das redes.
A repercussão negativa sobre a fala que trata da morte do pai do presidente da OAB entrará no terceiro dia consecutivo, segundo análise. “A própria militância dele não conseguiu defender o que foi dito, mas defende a sinceridade do presidente”, disse Denicoli.
Apesar de o aumento dos dias de crises, o diretor da empresa afirmou que Bolsonaro ainda tem ampla maioria de apoiadores nas redes sociais. “Está longe de perder a popularidade.” / COLABOROU MARIANA HAUBERT
Fonte: Estadão