“Você não é minha esposa, é um anjo da guarda que Deus enviou” (Corisco)
Na semana em que homenageamos as mulheres não vou falar da Madre Tereza, nem da irmã Dulce, nem da Rainha Elizabeth II, nem da dama de ferro Margareth Teather, tampouco de nossas mães, esposas e filhas.
Vou dizer de Dadá, a companheira de Corisco, a flor do mandacaru. O símbolo da fortaleza, da feminilidade e da coragem da mulher sertaneja. O elo entre o sofrimento e a ressignificação da vida. Do espargimento do amor verdadeiro, sem culpas e sem ressentimentos.
Nascida Sérgia Ribeiro da Silva, apelidada de Dadá, em Belém do São Francisco-PE, em 25 de abril de 1915, a filha de seu Vicente Ribeiro da Silva e dona Maria Santana Ribeira da Silva foi arrastada do seio familiar para as hostes do cangaço, aos 12 anos, em 1927, por Cristino Gomes da Silva Cleto, o famoso cangaceiro Corisco. Numa ação perversa e desumana o “Diabo Loiro” a sequestrara, na mais tenra infância, e a sentenciara a vida errante nas caatingas como rechaço por uma querela de coiteiros.
A menina foi violentada em sua pureza e ainda que as bonecas povoassem o seu universo o ódio se fez nascer por aquele homem cruel, grosso e indelicado. As marcas da violência física e moral delongaram-se em transmutar-se. A adolescência perdida conheceu todas as dores que o sertão tinha a oferecer.
Sem alternativas outras, Dadá se deixa letrar e aprende o manuseio das armas, sob as instruções de Corisco. Única cangaceira a atirar de fuzil, também não arredava do seu 38 colt cavalinho e a ela foram atribuídas todas as mortes por arma pequena nas baixas dos “macacos”.
Mas o tempo, que é o dono de tudo, faz o seu papel de forma paciente e precisa. E assim, o algoz passa a vítima da presa numa ressignificação existencial de que só o amor é capaz. Dadá alcança patamares de fama que poucos cangaceiros conseguiram.
Nos 12 anos de vida cangaceira recebeu inúmero elogios de Lampião: – O homem que tem uma mulher como Dadá, nunca está só. Compadre Corisco é homem de sorte!. Labareda, outro cangaceiro, disse: – Dadá valia mais do que muito cangaceiro. Já um coiteiro afirmou: – Metade da força de Corisco está em Dadá.
O ódio por Corisco se transforma em um amor indescritível e a saga do casal ultrapassa a tragédia de Angicos, (onde findam Lampião, sua Maria e mais 9 companheiros) como que a exigir um desfecho próprio, um desenlace singular para um amor que ainda tinha provas a dar.
Em meio a Moça de Cirilo, Nenêm de Luiz Pedro, Leonilda de Azulão, Inacinha de Gato, Maria de Ferrugem, Noca de Mormaço, Otilia de Mariano, Leonora de Serra Branca, Cristina de Português, Lilia de Moita Braba, Lídia de Zé Baiano e Maria de Lampião, Dadá chamava a atenção pela sua coragem. Superara todas as ofensas que poderiam lhe fazer. Foi apelidada, por um coiteiro, de “Nêga Pau” em referência ao seu destemor da vida e dos homens.
Dadá era valente, debatia, opinava e chegava a espantar cangaceiros do bando por conta da sua forte personalidade. O machismo não admitia manifestação feminina. Mas Dadá era mandona e chegou até mesmo a alvejar o cangaceiro Caixa de Fósforo, quando o mesmo questionou sua fala. Dadá chegava a interferir nas ações do bando!
O cangaço definha com a morte de Lampião, os sobreviventes ao massacre de Angicos-SE, em 1938, debandam. O governo Vargas promulga a lei de anistia aos cangaceiros, em 1940. Muitos negociam sua rendição, mas Dadá não permite a Corisco esse gesto. Cuida do companheiro gravemente ferido até o último momento. Retribuindo com carinho, atenção e zelo todos os feitos do companheiro em seu favor e colocando um lajedo sobre as memórias trágicas da infância perdida.
O romance da caatinga tem trágico fim. Em 1940, em uma emboscada, o Tenente Zé Rufino, “O matador de cangaceiros”, mata Corisco e fere traumaticamente a perna direita de Dadá, contudo não lhe permite a morte pelos volantes. Um deles ainda bravata: – Vamos acabar de matar essa puta!, ao que ela de pronto responde: – Me dá o fuzil e me chama de puta! Eu te toro pelo meio! Eu mato esse macaco miserável!
Dadá foi esposa, mulher, pariu 7 filhos (3 sobreviveram) que não pode criar. Foi companheira inarredável de Corisco até o fim. Se a morte de Corisco sela o fim do cangaço, a morte de Dadá, em 07 de fevereiro de 1994, sepulta a bravura indômita da mulher sertaneja.
Mais de trinta anos depois Zé Rufino lhe diria: “Dadá, você nasceu errado, devia ser homem, em muito lugar do sertão, você tinha mais nome que Lampião”. Deus salve as mulheres, Deus salve Dadá!