“Se todos quisermos, dizia-nos há quase 200 anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, poderemos fazer deste país uma grande nação. Vamos fazê-la.” (Tancredo Neves)
As semanas passada e presente foram ponteadas por datas de significativa importância para a história do Brasil e que nos convidam a uma oportuna reflexão: qual sentido podemos, hoje, extrair do assassinato de Joaquim José da Silva Xavier, acontecido em 21 de abril de 1792 e qual o propósito de Pedro Álvares Cabral ter aportado na Terras de Vera Cruz, em 22 de abril de 1500. Que mensagens o passado nos transmite ao presente e quais lições podemos com elas aprender?
Portugal, no século XV, era a nação mais consolidada da Europa. Resolvidos os conflitos internos restava um reino unificado, dentro de um continente em chamas revolucionárias e, ainda, sobrevivendo à peste negra. Com posição geográfica privilegiada, os lusitanos se agruparam. Em torno do rei, a burguesia e a nobreza e os objetivos comuns, entre eles: a expansão marítima, o colonialismo, o mercantilismo e os lucros.
A invasão muçulmana a península ibérica traz a bússola e o astrolábio, entre outras contribuições, para o início das grandes navegações e o avanço do imperialismo português iniciado com a tomada de Ceuta, em 1415; descoberta de Açores, em 1418; cruzamento do Cabo Bojador, em 1434 e a conseguinte exploração das nações da costa oeste africana e seus habitantes.
Em 1487, Bartolomeu Dias cruza o Cabo das Tormentas (Cabo da Boa Esperança) chegando ao Oceano Índico. Estava transposto o continente africano e o reino das índias estava logo ali, pertinho. Em 20 de maio de 1498, Vasco da Gama chega a Calicute, na costa oeste da Índia.
Todas as letras anteriores nos mostram que o acaso não existe. Que não foi nenhuma tormenta, nem acidente de percurso que aprumou as naus cabralinas rumo ao Porto Seguro da Bahia. Havia um propósito deliberado de posse das novas terras, já reconhecidas no Tratado de Tordesilhas, firmado entre Portugal e Espanha, em 1494 – dois anos após a chegada de Cristóvão Colombo as Américas.
As mesmas letras norteiam uma seqüência histórica de dominação, exploração, escravização, dilapidação e assassínio cultural, econômico e social das nações imperialistas sobre suas colônias, desde a expansão mercantilista até o presente neoliberalismo e a sua globalização da miséria.
Aos que se revoltaram – ou se revoltam – contra essa lógica resta a exposição humilhante, o julgamento, a forca, a morte e o esquartejamento. Tudo isso para exemplificar, intimidar, apavorar e desencorajar todos os demais a não se rebelarem. Principalmente se não forem da nobreza, da burguesia, das elites dominantes.
No século XVIII, a retenção do “Quinto” (20% do ouro levados às Casas de Fundição) pela coroa portuguesa junto ao valioso minério extraído no Brasil, associado à Derrama (imposto sobre débitos dos mineradores junto a Coroa) enformava um quadro de injustiça e opressão econômica, levando um grupo de poetas, profissionais liberais, mineradores e fazendeiros a deflagrarem a Inconfidência Mineira, em 1789.
Os ideais iluministas alimentaram o levante, que atendia a ânsia das elites intelectuais e econômicas da economia mineradora, embora houvesse a participação de outras classes menos expressivas. Contudo, na hora do sacrifício essas mesmas elites negociaram suas rendições após a delação premiada, em 11 de abril de 1789, de Joaquim Silvério dos Reis Montenegro Leiria Grutes (1756-1819). O preço da carta delatora: pensão por toda vida, perdão para todas as dívidas, comendas e privilégios (onde isso se repete?).
A carta de Caminha, se reescrita 518 anos depois, noticiaria ao imperialismo que a Terra de Santa Cruz continua sob domínio estrangeiro e que a Derrama é alimento constante da corrupção, que o povo está à mercê do Quinto dos infernos e que os delatores estão livres. Já o pobre que ficou para herói, este foi exposto humilhantemente, julgado, condenado sem provas e já se encontra preso.